Parece, mas não é: Tuatara

Antes de conhecermos o personagem principal deste “Parece, mas não é”, eu gostaria de convidar o caro leitor a observar atentamente a imagem abaixo (Figura 1). Que animal é esse? Em que grupo podemos incluí-lo? Quais seus “parentes” (grupos biológicos) próximos?

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Figura 1. Tuatara adulta (Sphenodon punctatus). Fotografia de Cristiano Nogueira.

É provável que muitos leitores do blog do NUROF-UFC tenham pensado: “ora Daniel . . . é um lagarto, um réptil escamado, “parente” das serpentes!”. No entanto, eu informo a vocês que o animal em questão não se trata de um lagarto, pelo menos não da forma como costumamos caracterizá-los e reconhecê-los. Esta confusão é bem comum entre a população em geral, tendo em vista a imensa semelhança destes animais com os lagartos “verdadeiros”. Entretanto, os cientistas especialistas em répteis classificam esta criatura em um grupo distinto, os Sphenodontia.

Na verdade, este réptil lacertiforme que pode atingir  60 cm de comprimento é denominado Tuatara. Este nome é proveniente da língua indígena dos povos Maori e significa “espinhos nas costas”. De forma geral, estes animais têm aparência muito similar aos lagartos iguanídeos, compartilhando várias características morfológicas com os demais répteis lepidossauros (Lepidosauria), que agrupam os lagartos, as anfisbenas, as serpentes, além das próprias tuataras. Como exemplo, estes animais se assemelham pela presença da fenda cloacal transversal e a capacidade de trocar a camada externa da epiderme por inteiro periodicamente (ecdise).

Apesar das similaridades, diversas características permitem distinguir as Tuataras dos lagartos. Morfologicamente, as Tuataras são destituídas de ouvidos externos (Figura 2), bem como de órgãos copuladores. Além disso, o crânio destes animais apresenta várias particularidades como o tipo de dentição (acrodonte), o número de fileiras de dentes (duas na maxila superior) e a forma da fenestra temporal inferior (completamente delimitada). Ecologicamente, as Tuataras são tipicamente noturnas, apresentando temperaturas corpóreas relativamente baixas (entre 12 e 16 ºC) quando comparadas a outros répteis. Estes animais se alimentam principalmente de insetos e outros artrópodes, embora possam ocasionalmente consumir lagartos, aves e até outras Tuataras jovens. A reprodução das Tuataras também difere grandemente dos padrões encontrados nos demais répteis escamados. As fêmeas põem de 8 a 15 ovos em cada evento reprodutivo, o período de incubação dos ovos dura cerca de 15 meses e, além disso, as Tuataras levam mais de 10 anos para atingir sua maturidade sexual.

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Figura 2. Cabeça de um Tuatara (Sphenodon punctatus). Fotografia de Cristiano Nogueira.

Atualmente existem apenas duas espécies de Tuataras, Sphenodon punctatus (Gray, 1842) e Sphenodon guntheri (Buller, 1877). Ambas as espécies são endêmicas da Nova Zelândia, ocorrendo nos costões rochosos das ilhas costeiras ao norte do país. As Tuataras são legalmente protegidas desde 1895 e, embora S. punctatus ocorra em várias ilhas, S. guntheri ocorre em somente uma, demonstrando a relativa importância da conservação destas espécies.

Por: Daniel Passos, membro do NUROF-UFC

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

HUTCHINS, M.; MURPHY, J. B. & SCHLAGER, N. 2003. Reptiles. In: Grzimek’s Animal Life Encyclopedia. Thomsom Gale, Farmington Hills.

POUGH, H. F.; JANIS, C. M. & HEISER, J. B. 2008. A vida dos vertebrados. 4ª ed. São Paulo: Atheneu.

ZUG, G. R.; VITT, L. J. & CALDWELL, J. P. 2001. Herpetology: An introductory biology of amphibians and reptiles. 2nd ed. California: Academic Press.

Répteis: Dinossauros, Lagartos, Serpentes, Tartarugas, Crocodilos e … e … e … Aves?

Apesar da confusão que parece, a ideia central é super simples: Aves são répteis! Mas espera aí? Aves não são… aves? Tipo, passarinho, pena, voo e esse tipo de coisa? Sim! Mas nem por isso deixam de ser répteis! Vamos lá tentar explicar.

A verdadeira confusão está no fato que, a forma em que identificamos e classificamos os organismos (conhecido como sistemática), mudou várias vezes durante os anos. O termo “réptil” que temos na nossa mente são aqueles organismos com escamas e que precisam de calor pra se aquecer (ectotermia), alguns com cascos (tartarugas, cágados e jabutis), alguns sem patas (serpentes e alguns lagartos) e por aí vai (Fig. 1).

Figura 1: “Calango” Tropidurus hispidus em sua posição típica. Arquivo pessoal Heideger Nascimento

Pois bem, não é de hoje que esse termo está cientificamente em desuso. Não totalmente, dado a maneira simples de se trabalhar e o uso no cotidiano, mas na sistemática que temos hoje, o termo “réptil” abrange também as aves. Esse “réptil” que temos em mente pertence a uma antiga classificação que foi proposta por Carolus Linnaeus (Carol Lineu ou somente “Lineu”) em 1735 no seu trabalho intitulado “Systema naturae” onde ele propunha o agrupamento dos seres vivos de acordo com suas características como a morfologia externa. Por conta disso, “répteis” e aves ficaram em grupos separados, por serem – a princípio – visualmente bem diferentes.

Figura 2: Cladograma filogenético mostrando a posição das aves dentro de reptília. “Filogenia como base para a investigação da diversidade biológica; http://biofecunda.files.wordpress.com/2008/10/reptilia.jpg, acessado em 02/06/2012”

Hoje, de acordo com a classificação filogenética, tartarugas (e seus similares), crocodilos, lagartos, dinossauros (e seus similares), serpentes e as Aves(!) compartilham o mesmo ancestral basal em comum: Reptilia! (Fig. 2). Com base nas aves viventes é difícil se perceber isso, pois muito tempo se passou desde que divergiram do ancestral, daí muitas especializações mascaram esse parentesco, entretanto, se você observar bem o Archaepteryx lithographica (Fig. 3), um fóssil do período Jurássico do que hoje é a Alemanha, conhecido com “a primeira ave”, notará várias semelhanças para com os répteis como a presença de dentes, a cauda longa com várias vértebras, duas fenestrações (orifícios) no crânio na região atrás do olho, pescoço em “S” (presente nos dinossauros), dentre outras características. O famoso Thomas Huxley (1825-1895), já havia dito bem antes que as aves eram “répteis glorificados”, pela incrível semelhança e o fato de voarem. O voo por si já havia aparecido antes no pterossauros! E hoje acredita-se que as penas tenham surgido a partir de uma modificação das escamas! Incrível não?

Figura 3: Foto do fóssil de Archaeopteryx lithographica. “Mesosoic Era; http://www.lvmnh.org/6.html, acessado em 02/06/2012”

Pois bem, ainda vai precisar de bastante tempo até que isso – ave ser réptil – venha a ser uma concepção geral, uma vez que a classificação proposta por Lineu serviu historicamente por vários anos e por isso permitiu fixar-se até hoje os dias atuais. Todavia, essa concepção filogenética já é factual e bem esclarecida cientificamente. Talvez o fato de afirmarmos que o grupo vivente mais próximo às aves são os crocodilos, ou mesmo que as aves nada mais são que dinossauros voadores, seja ainda uma afirmação ainda mais bombástica!

Mas isso é uma conversa para outro post,  por hoje já está de bom tamanho. Espero que tenham gostado.

Até a próxima,

Abraços.

Por:  Heideger L. do Nascimento

Mestrando em Ecologia e Evolução – UERJ

Laboratório de Ecologia de Aves – IBRAG/UERJ

Parece, mas não é: cobra-de-vidro

Continuando a sessão “Parece, mas não é”, neste texto apresentamos os animais vulgarmente conhecidos como cobras-de-vidro.

Como já visto em (A diversidade dos lagartos), a redução apendicular (redução de membros locomotores) evoluiu em diversas linhagens de lagartos. Entretanto, existem representantes extremos desta evolução, os quais possuem apenas diminutos resquícios de membros funcionais ou até mesmo a total ausência de apêndices locomotores.

No Brasil, a popularmente chamada cobra-de-vidro, na verdade, é um lagarto (Gênero Ophiodes) pertencente à Família Anguidae.

A semelhança entre estes lagartos e as serpentes se dá, principalmente, devido ao corpo cilíndrico, alongado, à ausência de membros anteriores e à presença membros posteriores vestigiais, extremamente reduzidos e não-funcionais (Figura 1). Somado a tudo isto, a locomoção dos Ophiodes, através do deslocamento por ondulações laterais do corpo, à semelhança das serpentes, justificam tal confusão.

Figura 1: Ophiodes sp. Foto Michel Aguiar Passos,

disponível em: http://calphotos.berkeley.edu/cgi/img_query?enlarge=0000+0000+0311+2423

Embora à distância a forma e comportamento destes lagartos façam com que sejam confundidos com serpentes verdadeiras, existem diversas características que os distinguem estes répteis, dentre eles:

1. A presença de um par de membros posteriores, mesmo que vestigiais (Figura 2), os distinguem das serpentes, uma vez que nenhuma destas apresenta qualquer membro locomotor;

Figura 2: Detalhe dos membros posteriores (rudimentares) de Ophiodes sp. Foto Michel Aguiar Passos,

disponível em: http://calphotos.berkeley.edu/cgi/img_query?enlarge=0000+0000+0311+2421

2. A existência de pálpebras móveis sobre os olhos, característica ausente nas serpentes;

3. A capacidade de romper a cauda (autotomia) quando expostos a situações de perigo, característica inata dos lagartos (Figura 3);

Foto Michel Aguiar Passos, disponível em: http://calphotos.berkeley.edu/cgi/img_query?enlarge=0000+0000+0311+2422

Figura 3: Autotomia caudal em Ophiodes sp. Foto Michel Aguiar Passos,

disponível em: http://calphotos.berkeley.edu/cgi/img_query?enlarge=0000+0000+0311+2422

4. A morfologia craniana, com duas fenestrações (aberturas) temporais visíveis de cada lado, em vez de apenas uma, como encontrado nas serpentes.

Aguardem o próximo post do “Parece, mas não é”!

Por: Daniel Passos, membro do NUROF-UFC

 

Parece mas não é: Cobras-cegas são anfíbios!

Popularmente conhecidos como “cecílias” ou “cobras-cegas” estes animais são anfíbios comumente confundidos com serpentes (répteis). A confusão surge devido a semelhanças como corpo alongado e ausência de membros. Na verdade, uma das ordens dentro da classe amphibia é conhecida como Gymnophiona, do grego: gymnos (nu) + ophioneos (parecido com serpente) e nesta ordem estão inseridas nossas conhecidas cobras-cegas.

Foto Henrique Nogueira

As cobras-cegas são fossoriais (animais que vivem sob a terra escavando os solos) e suas características morfológicas refletem este hábito, por exemplo, a ausência de membros que facilita a escavação e a movimentação embaixo da terra. Uma característica também das cobras-de-duas-cabeças (relembre: Quem são as cobras-de-duas-cabeças? Cobras de duas cabeças?).

Além disso, a visão é um sentido pouco desenvolvido nestes anfíbios, uma vez que vivem embaixo do solo onde há pouca ou nenhuma luminosidade. No máximo, os olhos das cecílias conseguem distinguir entre claro e escuro. Para ajudar na percepção do ambiente e na localização de presas, predadores e parceiros para reprodução estes animais contam com um par de pequenas estruturas sensoriais em forma de tentáculos protáteis na cabeça.

A pele úmida das cobras-cegas difere da pele seca das serpentes, que é coberta por muitas escamas de coloração variada. As cobras-cegas possuem escamas dérmicas, pequenos discos achatados localizados em dobras transversas ao longo do corpo formando anéis que podem auxiliar na locomoção nas galerias subterrâneas.

A língua bífida das serpentes não é encontrada em cobras-cegas, estas não possuem língua protátil e a cauda das cobras-cegas é muito curta ou ausente. Outra diferença importante é o ovo amniótico, característica ausente nos anfíbios e marcante nos répteis.

Então, a diferença básica consiste no fato das cecílias ou cobras-cegas serem anfíbios, portanto com muitas caracteríticas bem diferentes das características das serpentes, que são répteis e apesar de muitos confundirem, o leitor pode agora notar que são animais bem distintos. Cuidado para não confundir!

Por: Gabriela Cavalcante de Melo,membro NUROF-UFC

Bibliografia:

POUGH, F. Harvey; JANIS, Christine M.; HEISER, John B. A vida dos vertebrados. 4. ed. São Paulo, SP: Atheneu, 2008.

Quem são as cobras-de-duas-cabeças? Cobras de duas cabeças?

Os lagartos da subordem Amphisbaenia são conhecidos popularmente como cobras-de-duas-cabeças, contudo estes animais estão longe de serem serpentes (‘cobras’)! Os anfisbenas pertencem à mesma ordem que os lagartos e as serpentes, a ordem Squamata. Entretanto são agrupados em uma subordem à parte dos lagartos, que por sua vez são distribuídos em cinco subordens e das serpentes que pertencem à subordem Ophidia. A subordem Amphisbaenia é bastante rica possuindo mais de 190 espécies. A forma do corpo alongado e a ausência de membros (‘braços e pernas’) na maioria das espécies, faz com que estes animais sejam chamados popularmente de cobras. Contudo, as serpentes e os anfisbenídeos são separados evolucionariamente por alguns milhões de anos, embora descendam de um mesmo ancestral.

Amphisbaena

Exemplar de Amphisbaena alba

Muito menos estes animais possuem duas cabeças! O que acontece é que a cabeça e a cauda destes animais possuem um formato que pode confundir o observador desatento. Algumas espécies, como por exemplo Amphisbaena alba, tiraram grande proveito disto quando encontram seus predadores. Neste caso os animais levantam a cauda e a cabeça deixando o corpo em posição de ferradura, assim o predador pode ser confundido e atacar a cauda, uma parte não vital do corpo do animal.
Estes animais vivem grande parte de suas vidas sob a terra, escavando túneis pelos quais se locomovem, o que os cientistas chamam de hábito fossorial, e se alimentando de pequenos invertebrados. Desta forma os anfisbenas possuem adaptações no crânio, na musculatura corporal e no tegumento (pele) que os permitem viver em um ambiente pouco utilizado por outros vertebrados terrestres.

A Natureza sempre nos mostra sua bela complexidade quando olhamos seus belos detalhes atentamente. O que você antes achava que era serpente é na verdade um outro grupo de organismos que possui mais de 190 espécies! Que bela descoberta ein!? 🙂