A Herpetologia é uma ciência fantástica que agrega e dialoga com várias outras. Podemos aqui citar algumas, tais como: a Ecologia, Sistemática, Taxonomia, Genética, Etologia e a Conservação. Porém, essa grande ciência tem mais uma carta na manga que é a Etnoherpetologia: um ramo que ainda tem pouca adesão entre os pesquisadores, mas segue em crescimento na atualidade.
Mesmo a etnoherpetologia sendo ainda pouco conhecida, o uso do prefixo ‘Etno’ apareceu pela primeira vez em 1946 de acordo com o levantamento feito por Cardona em 1985 no livro La Foresta di Piume Manuale di Etnoscienza que catalogou o uso desse prefixo nas ciências naturais (CAMPOS, 2002).
Considera-se a Etnoherpetologia um poderoso instrumento político de conservação da sociobiodiversidade. Seu foco é basicamente estudar com profundidade a relação/interação da sociedade com os anfíbios e répteis. Pois, a partir da compreensão dessa relação, podemos agir junto a comunidade na construção de ações de educação ambiental, projetos de conservação, difusões científicas, fomento de políticas públicas, capacitação de professores e colaboradores locais nas áreas de estudo escolhidas pelo pesquisador ou pesquisadora.
Deste modo, a Etnoherpetologia, no seu âmago, tem uma íntima relação com a Ecologia Humana, que por sua vez vai tratar de toda relação homem x ambiente em diversos níveis. Não podemos perder de vista até aqui que tudo isso se trata de transdisciplinaridade. Ciências conversando entre si em prol de uma ou várias ações no campo da pesquisa acadêmica.
Por exemplo: Um pesquisador que trabalha com Taxonomia pode facilmente dialogar com moradores da sua área de estudo e inserir também em sua pesquisa a descrição que determinada população faz da espécie foco do seu estudo. Por que não pensar na etnotaxonomia? Vários trabalhos têm obtido informações preciosas sobre comportamento, ecologia, biologia, entre outros, devido a parceria entre o pesquisador e os colaboradores locais. (Ver: PORTILLO, 2012) Muitas dessas informações fazem parte da tradição oral, do cotidiano dessas pessoas, fazem parte até mesmo do folclore, dos simbolismos, das literaturas de cordel, das canções e assim por diante.
A etnoherpetologia nos dá informações sobre os diversos usos dos animais, tais como: alimentação, fins religiosos, usos medicinais, percepção dos moradores, além de fornecer dados sobre caça e inferir sobre o status de conservação e biodiversidade local (BERNARDE, P.S, 2012; LIMA et al, 2018; MARQUES et al, 2019; PASSOS, et al 2015; PAZINATO, D.M.M, 2013; PORTILLO, J.T.M, 2012)
Quando realizamos o resgate histórico em documentos, símbolos e iconografias utilizadas por um determinado grupo étnico, podemos perceber que os animais da fauna herpetológica podem ser representados como vilões ou amigos. Deveras, é extremamente interessante perceber que diversos fatores influenciam essa relação sociedade x herpetofauna, como por exemplo a religião, e que essa relação e interação vai se estruturando e/ou se modificando ao longo do tempo em determinadas culturas, pois existe uma troca de valores e crenças com outras sociedades. Assim como em diversas culturas não-europeias, como a cultura Yorubá, possuem uma divindade Oxumarê que tem uma ligação com as serpentes, e, para os adeptos das religiões de matriz africana como o Candomblé as serpentes são seres sagrados, que precisam ser respeitados e conservados.

Atualmente, o foco da minha pesquisa de mestrado tem se voltado a percepção, simbolismos e crendices populares de comunidades do Litoral Norte da Bahia através do Projeto Herpetofauna do Litoral da Bahia coordenado pelo Professor Dr. Moacir Tinoco.
Aos meus colegas que estão lendo esse texto darei uma dica: escutem as canções de Luiz Gonzaga, Cordel do Fogo Encantado e Jackson do Pandeiro (pra começar!). Tem canções que simplesmente são uma aula da visão do homem sobre a natureza e a visão do homem com a herpetofauna!

Por fim, creio que a Etnoherpetologia vem firmar e formar laços, vem mostrar que a ciência pode e deve sair dos muros das universidades e dialogar com a sociedade de uma forma igualitária! Senão de que adianta estudar uma determinada espécie, obter o máximo de informação, mostrar que ela é importante para a comunidade científica se nada é feito em conjunto com as populações que convivem quase que diariamente com esse animal?
Autora: Jamille Marques
Referências:
BERNARDE, P.S. Anfíbios e répteis: introdução ao estudo da herpetologia brasileira. Curitiba: ed. Anolisbooks, 2012. 320 p.
CAMPOS, M. D. Etnociência ou Etnografia de Saberes, Técnicas e Práticas? In:
Métodos de coleta e análise de dados em etnobiologia, etnoecologia e disciplinas correlatas: anais do I Seminário de Etnobiologia e Etnoecologia do Sudeste : Rio Claro. Editora: SBEE – Regional Sudeste, 2002 |
CARDONA, G. R. La Foresta di Piume, Manuale de Etnoscienza. Roma: Laterza, 1985.
LIMA, Brenda Silva et al. INVESTIGANDO O CONHECIMENTO ETNOHERPETOLÓGICO DOS CAFEICULTORES SOBRE AS SERPENTES DO MUNICÍPIO DE INCONFIDENTES, MINAS GERAIS. Ethnoscientia, [S.l.], v. 3, mar. 2018. ISSN 2448-1998. Disponível em: <http://ethnoscientia.com/index.php/revista/article/view/137>. Acesso em: 13 Out. 2020. doi:http://dx.doi.org/10.22276/ethnoscientia.v3i0.137.
MARQUES, J. F.; PORTO, C. R.; SOUZA, C. S. A.; MOURA, G. J. B.; Tinôco, M. S.
Sociobiodiversidade, Etnoecologia e Etnoherpetologia In: Restinga: Herpetofauna do Litoral Norte da Bahia.1 ed.São Paulo: Barro de Chão, 2019, p. 524-531
PASSOS, Daniel Cunha et al . Calangos e lagartixas: concepções sobre lagartos entre estudantes do Ensino Médio em Fortaleza, Ceará, Brasil. Ciênc. educ. (Bauru), Bauru , v. 21, n. 1, p. 133-148, mar. 2015 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-73132015000100009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 05 jan. 2020. http://dx.doi.org/10.1590/1516-731320150010009.
PAZINATO, D.M.M. Estudo etnoherpetológico: conhecimentos populares sobre anfíbios e repteis no municipio de caçapava do sul, Rio Grande do Sul. Monografia (Especialização) – Curso de Educação Ambiental, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2013.
PORTILLO, J.T.M. Composição, etnoecologia e etnotaxonomia de serpentes no Vale do Paraíba, Estado de São Paulo. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto, 2012.
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