Fui picado por uma cobra! E agora?

Caro leitor, não se preocupe. De fato, o Brasil abriga uma das maiores faunas de serpentes do mundo, mas apenas um pequeno número delas (cerca de 15%) é capaz de produzir e injetar veneno em outros animais (BERNARDE, 2011). Uma vez que você siga simples medidas de segurança, provavelmente não será vítima de uma ocorrência como essa.

Aqui no Brasil, temos apenas dois grupos de serpentes peçonhentas: os Viperídeos (grupo da Surucucu, Cascavel, Jararacas), e os Elapídeos (grupo das Corais verdadeiras).

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Figura 1. Lachesis muta. Foto: Jairo Maldonado.

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Figura 2. Micrurus ibiboboca registrada no Estado de Pernambuco. Foto: Marcelo Ribeiro Duarte.

De acordo com o Ministério da Saúde e o Instituto Butanan, caso seja picado por uma serpente e você não saiba se ela é de um dos grupos acima, é necessário manter a calma, lavar o local da picada apenas com água e sabão, se hidratar e ir imediatamente ao hospital. Ou seja, após o acidente, lave a ferida e vá ao hospital, levando uma garrafa de água para ficar bebendo.

No território nacional temos quase 2 mil polos listados pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmotológicas (Sintox), e nesses lugares você pode receber gratuitamente o soro antiofídico. Você pode acessar o documento através do link. Aqui em Fortaleza, por exemplo, os polos que disponibilizam soro são o Instituto Dr. José Frota (IJF) e a Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC).

Entretanto, costumam ser divulgadas algumas medidas (listadas abaixo) que estão erradas e que podem inclusive agravar o problema.

  1. Tomar uma bebida forte, como cachaça, funciona?

Não. O álcool tem três problemas principais. Primeiramente, o álcool no organismo desidrata os tecidos, dificultando a ação imunológica, ou seja, dificulta nosso corpo a combater o veneno. Além do mais, estando severamente sob o efeito de álcool, alguns sintomas da “embriaguez” podem ser confundidos com sintomas do envenenamento por cascavel ou coral, chamado de facies miastenicas (PINHO & PEREIRA, 2001), a famosa cara-de-bêbado, podendo prejudicar o diagnóstico médico e o tratamento. Por último, o álcool eleva a pressão sanguínea, fazendo com que o veneno circule mais rápido pelo corpo.

Facies miastênica. 
Fonte aqui.
  1. Fazer um torniquete no local é eficaz?

Não, pois pode piorar muito a situação. A maioria esmagadora dos acidentes ofídicos acontecem com as jararacas (mais de 90%) (BERNARDE, 2012), que possuem um veneno necrosante. Fazer uso do torniquete no local de uma picada de jararaca concentra o veneno, o que provavelmente irá destruir o tecido, às vezes causando até a perda de um membro.

  1. Urinar no local da picada melhora?

Não. A urina sai do corpo pela uretra, carregando microrganismos que irão contribuir para inflamar e até mesmo provocar uma infecção na ferida. Uma dica: essa prática não higiênica também serve para a água-viva e outros cnidários (HALSTEAD et al., 1990).

  1. Posso chupar o veneno para fora?

É impossível chupar o veneno para fora, pois imediatamente após a picada, ele começa a ser absorvido pelos tecidos e entrar na corrente sanguínea. Tampouco se deve pedir a um amigo para fazê-lo, pois se tiver resquício do veneno na superfície da picada, ele poderá envenenar-se também; alguns estudos sugerem também que a sucção pode exacerbar o dano tecidual, piorando a situação (BUSH, 2004). Enfim, “sugar” o veneno para fora comprovadamente não funciona e pode agravar o problema.

  1. Preciso levar a cobra que me picou?

O Ministério da Saúde diz que, se possível, o animal seja levado para identificação (FUNASA, 1998). Ademais, tirar uma foto poderá ajudar os médicos a identificar o animal, e passar o correto tratamento – e você não precisará se arriscar tentado pegar o animal.

Agora, também é interessante saber o que fazer para não ser picado, evitando ter que ir para um hospital e ter que ser tratado com soro. Siga essas instruções para não ter que passar por esse tipo de problema.

  1. Não manusear animais silvestres, mesmo que pareçam mortos. Vários animais podem adotar um comportamento de parecer estarem mortos para evitar predadores, chamado de Tanatose (você pode ver mais sobre isso aqui no Blog). Ao pegar esse animal, ele pode defender-se desferindo um bote.
  2. Usar vestimentas adequadas em regiões de matas. O principal é uma calça comprida e um calçado fechado. Como foi dito anteriormente, a maior parte dos acidentes ofídicos em nossa região é causada por jararacas, que são terrestres – com a vestimenta adequada, esse tipo de acidente já é evitado.

3. Esteja atento a situações de risco. Revirar folhas secas, levantar pedras, colocar a mão em buracos são os tipos de atividades que vão aumentar muito a sua chance de encontrar, não apenas serpentes, mas vários outros animais que usam esses lugares como abrigos (como aranhas e escorpiões). Tenha cuidado ao realizar essas atividades.

4. Caso aviste uma serpente, se afaste. Não é necessário fazer um alarde e tampouco precisa sair correndo. As serpentes possuem uma série de características sensoriais para a predação. Antes de avistá-la, muito provavelmente ela já tinha percebido que você estava ali, ela só não teve tempo hábil para fugir ou se esconder. Portanto, apenas se afaste devagar e siga seu caminho, pois ela não irá persegui-lo.

Dado o comportamento das serpentes e sua distribuição (podemos achá-las no meio urbano também), cabe apenas a nós adotarmos medidas para reduzir nossas chances de encontro com elas e reduzir o impacto causado no ambiente delas. As serpentes são predadores que exercem um papel ecológico muito importante, principalmente realizando o controle populacional de algumas espécies e necessitam serem respeitadas e protegidas, sejam peçonhentas ou não.

 

Texto pelo bolsista Lucas Araújo de Almeida

REFERÊNCIAS

1) SINTOX. Polos de soro para acidentes ofídicos. https://sinitox.icict.fiocruz.br/polos-de-soro-para-acidentes-ofidicos

2)  PINHO, F. M. O.; PEREIRA, I. D. Ofidismo. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 47, n. 1, p. 24-29, 2001.

3) BERNARDE, Paulo Sérgio. Anfíbios e répteis: introdução ao estudo da herpetofauna brasileira. Anolis Books, 2012.

4) BERNARDE, Paulo Sergio. Mudanças na classificação de serpentes peçonhentas brasileiras e suas implicações na literatura médica. Gazeta Médica da Bahia, n. 1, 2011.

5) BUSH, Sean P. Snakebite suction devices don’t remove venom: they just suck. Annals of emergency medicine, v. 43, n. 2, p. 187-188, 2004.

6) HALSTEAD, Bruce W.; AUERBACH, Paul S.; CAMPBELL, Dorman R. A colour atlas of dangerous marine animals. Wolfe Medical Publications, 1990.

7) FUNASA. Fundação Nacional de Saúde (Brazil), Brazil. Coordenaça̋o de Controle de Zoonoses, Animais Peçonhentos, & Centro Nacional de Epidemiologia (Brazil). Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, 1998.