Dando continuidade ao estudo do sistema sensorial dos lagartos, ou seja, como estes animais “percebem” o ambiente à sua volta, nesta postagem nos debruçaremos sobre dois outros importantes sentidos na vida dos lagartos, a visão e o olfato.
A visão e o olfato são considerados os sentidos de maior importância para ecologia dos lagartos, sendo fundamentais para a compreensão de diversos aspectos da história natural destes animais. Entretanto, embora ambos os sentidos estejam presentes em praticamente todos os lagartos, em algumas espécies a visão é mais apurada (lagartos visualmente orientados), enquanto em outras o olfato é o sentido predominante (lagartos quimicamente orientados).
O formato dos olhos e de suas estruturas associadas (pupila, pálpebras e escamas superciliares) podem dizer mais sobre a biologia da espécie do que se pode imaginar. É o caso, por exemplo, da visão binocular dos camaleões que os permitem direcionar independentemente seus olhos para diferentes direções. Há também o caso dos geconídeos, que não têm pálpebras e, portanto, nunca “fecham” os olhos. E a adaptação extrema dos lagartos de areia do gênero Calyptommatus (calypto = oculto, ommatus = olho) que apresentam uma escama recobrindo os olhos, característica relacionada aos seus hábitos fossoriais.
Figura 01. Indivíduo jovem de Hemidactylus mabouia, um forrageador de ‘senta-e-espera’. Fotografia de Daniel Passos.
Quanto ao olfato, vários órgãos associados podem nos revelar importantes características do lagarto estudado. Em um primeiro momento, nosso caro leitor pode estar pensando o quê o formato das narinas reflete sobre sua biologia, mas no contexto olfativo, dois outros órgãos se destacam: a língua e o órgão vomeronasal (mais conhecido como órgão de Jacobson). É isso mesmo, em vez das narinas, o olfato dos lagartos está mais relacionado é com sua língua. Muitos lagartos, da mesma forma que as serpentes, apresentam língua bífida (com extremidade bifurcada). Esta língua é utilizada para tocar o substrato, capturando sinais químicos, que são então levados ao órgão de Jacobson, uma estrutura olfativa especializada, localizada no palato (céu da boca) destes animais.
Figura 02. Indivíduo adulto de Cnemidophorus ocellifer, um forrageador ‘ativo’. Fotografia de Daniel Passos.
Em relação à ecologia, visão e olfato estão intimamente relacionados a vários aspectos essenciais para a vida dos lagartos, em especial sua alimentação. Entre os lagartos, há dois modos bem definidos de forrageamento (procura por alimentos), o de forrageamento amplo ou errante (mais conhecido como “ativo”) e o forrageamento sedentário ou por emboscada (também conhecido como de “senta-e-espera”). Nesse contexto, sabe-se que os forrageadores ‘ativos’ são primariamente orientados por quimiorrecepção (principalmente o olfato), se alimentam de presas com baixa mobilidade e tendem a ser mais especialistas quanto a sua dieta. Por outro lado, os forrageadores por emboscada são predominantemente visualmente orientados, se alimentando de presas que se locomovem ativamente e, em geral, apresentam dietas mais generalistas.
Conheça mais sobre exemplos reais destes tipos de forrageadores em nosso blog: Tijubina: o calanguinho do sertão (forrageador ‘ativo’) e A bribinha da Caatinga (forrageador de ‘senta-e-espera’). Leia também sobre a pele dos lagartos em: A pele dos lagartos: como eles se (re)vestem.
Por: Daniel Passos, membro do NUROF-UFC
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