Sem sombra de dúvidas, a pele dos lagartos representa uma das maiores causas do preconceito humano com relação a estes animais. Ora, quem nunca ouviu frases como: “Que bicho asqueroso!”, “A pele dos calangos é áspera, repugnante!”, “Eles são escamosos, grosseiros!”? Inclusive nos dicionários de língua portuguesa, pode-se encontrar esta relação: escamoso = desagradável, repugnante, intragável. Entretanto, há quem admire e aprecie o tegumento destes animais. Eu sou um deles e tentarei, ao longo deste ensaio, torná-lo mais informado e menos averso em relação aos lagartos.
Da mesma forma que em outros vertebrados, a pele dos lagartos é composta por duas camadas, uma interna, denominada derme, cuja origem é mesodérmica, e outra externa, a epiderme, cuja origem é ectodérmica. No entanto, daremos prioridade a esta última, uma vez que é ela a perceptível aos sentidos humanos e, consequentemente, a promotora das tão variadas impressões e sentimentos.
Biologicamente, o tegumento desenvolve diversas e importantes funções, como proteção contra impactos mecânicos, proteção contra desidratação, regulação da temperatura corpórea, além de constituir um órgão sensorial, promovendo a sensação táctil. Inclusive do ponto de vista evolucionário, sem dúvida alguma o desenvolvimento de um tegumento impermeável foi importantíssimo para que os vertebrados se tornassem independentes do meio aquático e dominassem o ambiente terrestre a cerca de 200 milhões de anos atrás (Veja também: A origem e diversificação dos lagartos). Entretanto, nenhum destes aspectos é tão importante para a relação entre humanos e lagartos quanto à constituição, forma e textura da pele destes animais.
A superfície da pele dos lagartos encontra-se ornamentada por especializações epidérmicas, chamadas escamas. As escamas são lâminas de queratina, famosas por seu aspecto áspero. Entretanto, as escamas não são uniformes, existindo uma imensa diversidade de formas, conforme veremos a seguir.
Figura 1. Lamelas infra-digitais da lagartixa Phyllopezus pollicaris. Fotografias de Daniel Passos.
As escamas são caracteristicamente distintas entre as espécies. Por exemplo, as “lagartixas” apresentam predominantemente escamas granulares, diminutas e em sua maioria lisas, formando uma pele mais “delicada”, por vezes quase translúcida, que permite a visualização de estruturas corpóreas internas. Por outro lado, o corpo de grande parte dos “calangos de parede” contém escamas ornamentadas com quilhas, que atribuem um aspecto áspero.
Além dessa variação interespecífica, há também variação entre as diferentes partes do corpo. Por exemplo, as cristas dorsais das “iguanas” são constituídas por longas escamas aciculares que formam verdadeiras serrilhas de “espinhos”, diferenciando-se amplamente das demais escamas corpóreas. Nas “lagartixas”, as microestruturas sob os dígitos (setas) são adaptadas à aderência ao substrato, formando estruturas especializadas, denominadas lamelas infradigitais (Figura 01). Além disso, as escamas ventrais dos lagartos tendem a se diferenciar das dorsais, geralmente sendo mais lisas, o que facilita o deslizamento no substrato. As escamas cefálicas também apresentam especializações, sendo mais comumente conhecidas como escudos cefálicos, por serem mais amplas, achatadas e justapostas, comportando-se como verdadeiros “escudos” (Figura 02).
Figura 2. Escudos cefálicos do calango Polychrus acutirostris. Fotografia de Daniel Passos.
Através do tipo, número e disposição de escamas, caracteres reconhecidamente conservados ao nível de espécie biológica, é possível identificar a qual espécie pertence um lagarto. Assim, estes atributos têm importante função taxonômica, permitindo a distinção de espécies simplesmente por meio de uma análise morfológica.
Outro aspecto interessante relacionado à pele dos lagartos é a coloração. Os “camaleões” são famosos por sua habilidade de mudar de cor, na tentativa de se camuflar no ambiente. Esta propriedade cromática está presente em diversos outros grupos (“iguanas”, “lagartixas”, “calangos-cegos”) e é atribuída a células específicas, localizadas na derme, chamadas cromatóforos, que reagem diferencialmente ao grau de exposição luminosa, tornando a pele mais ou menos corada.
Por fim, vale ressaltar que, da mesma forma que outros “Répteis” escamados (Squamata), os lagartos também realizam o processo de “ecdise” ou “mudança de pele”, que consiste na eliminação das camadas extremamente queratinizadas, mais superficiais da epiderme. Os lagartos, em geral, realizam mudas fragmentadas, liberando fragmentos irregulares de diversos tamanhos. No entanto, algumas espécies de membros reduzidos ou ausentes realizam a muda da mesma forma que as serpentes, desprendendo por completo toda a camada envelhecida (Veja Também: A muda de pele das serpentes)
Até a próxima postagem ! ! !
Por: Daniel Passos, membro do NUROF-UFC
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