A autotomia, a auto-amputação de partes do corpo, é um mecanismo comportamental utilizado por vários grupos de animais para escapar de predadores. Entre os vertebrados, a cauda é o único apêndice corpóreo capaz de ser autotomizado. Apesar disto, esta estratégia comportamental exerce importante função defensiva em diversos animais, entre os quais estão as salamandras, as tuataras e principalmente os lagartos (Pough, 2008).
A capacidade de perder voluntariamente a cauda é amplamente encontrada nos lagartos. Seu principal benefício reside na possibilidade de distração do predador, uma vez que, logo após a autotomia, a cauda agita-se intensamente, podendo levar o predador a capturá-la enquanto o lagarto amputado foge em segurança. Outro benefício deste mecanismo é que a cauda pode ser regenerada após ser autotomizada (Figura 1).
Figura 1. Indivíduo adulto de Tupinambis merianae (Teiú ou Tejo) com cauda regenerada. Fotografia de Daniel Passos.
Trocar a cauda pela manutenção da vida é indubitavelmente vantajoso, no entanto a autotomia caudal também inclui custos associados. De maneira geral, a cauda dos lagartos funciona como um dispositivo de equilíbrio, contrabalanceando seu peso e facilitando seu deslocamento. Além disso, a cauda pode funcionar como um membro adicional na locomoção, especialmente nas espécies semi-aquáticas que usam a cauda como propulsores do corpo.
Figura 2. Macho adulto de Tropidurus hispidus (Calango) com cauda recém autotomizada. Fotografia de Daniel Passos.
Muitas espécies de lagartos também armazenam gordura em suas caudas e, portanto, a perda dessas reservas energéticas através da autotomia pode prejudicar tanto o próprio crescimento do animal como seu investimento reprodutivo. Por último, mas não menos importante, a cauda pode ser um elemento chave na conquista de status, uma vez que pode indicar um atributo de dominância em determinado contexto social, por exemplo, quando um macho de cauda maior detém o acesso a um maior número de fêmeas (Rocha, 1994).
Apesar de todos estes custos, analogamente ao ditado popular “Vão-se os anéis, ficam-se os dedos”, para os lagartos faz sentido se pensar em “Vai-se a cauda, fica-se a vida”.
Por: Daniel Passos, membro do NUROF-UFC
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
POUGH, H. F.; JANIS, C. M.; HEISER, J. B. A vida dos vertebrados. 4ª ed. São Paulo: Atheneu, 2008. 684p.
ROCHA, C. F. D. Introdução à ecologia de lagartos brasileiros. In: NASCIMENTO, L. B.; BERNARDES, A. T.; COTTA, G. A. Herpetologia no Brasil, 1. Belo Horizonte: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Fundação Biodiversitas; Fundação Ezequiel Dias. 1994. p. 39-57.
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