Por que estudar parasitologia de anfíbios e répteis?

Por Cícero Ricardo de Oliveira

Muitas pessoas podem se perguntar: “Por que estudar parasitas de sapos e lagartixas?”. Em uma visão com relação direta as nossas vidas, aparentemente não faz sentido esses estudos. E muitas pessoas podem dizer, que em nada os “vermes” desses animais podem ajudar ou ser prejudiciais, visto que, em sua maioria, o ser humano não faz parte do ciclo parasitário desses indivíduos. Mas, aí é onde está o erro. Apesar de não sermos hospedeiros para esse tipo de parasito, a existência e interação desses com as espécies podem influenciar as nossas vidas em algum momento, como no surgimento de viroses ou pandemias de origens animais como a Covid-19, ou na degradação e, em alguns casos extremos, extinção de espécies. Em outros tipos de pesquisa, o estudo com parasitos pode auxiliar na produção de fármacos. Um bom exemplo são espécies de jararacas que têm em seu veneno o princípio ativo para a produção de remédios para hipertensos (captopril). Ainda podemos citar os vários problemas encontrados em âmbito veterinário para espécies que são tidas como pets ou mesmo no ambiente natural, onde o parasitismo pode causar a morte desses animais (ARAUJO-FILHO et al. 2013). Então, podemos ver o quão importante é conhecer esses parasitos!

Figura 1 – Indivíduo de Lachesis muta da Mata Atlântica de Pernambuco (A); Cavidade celomática com parasitos (B). Fonte: ARAUJO-FILHO et al. 2013

Os parasitos são organismos diversos que são parte integrante da natureza, representando a maior parte da biodiversidade global e possuem uma das estratégias de vida mais comuns no planeta (WINDSOR 1998; KURIS 2008). Estes organismos estão envolvidos em vários processos de regulamentação, e podem influenciar as condições das populações hospedeiras, porque interferem em processos cruciais como competição, migração, dispersão, reprodução e especiação (VITT & CALDWELL 2009). Assim, o conhecimento da diversidade e distribuição de parasitas é importante para entender o papel das relações ecológicas entre parasitas e hospedeiro na dinâmica dos ecossistemas (POULIN & KRASNOV 2010; CAMPIÃO et al. 2015).

Outro ponto importante, é que os parasitas apresentam grande importância ecológica (MARCOGLIESE 2004; POULIN & MORAND 2004), porque estão intimamente relacionados às condições ambientais e, portanto, podem ser considerados indicadores potenciais de qualidade ambiental (CATALANO et al. 2013). Além disso, alguns grupos parasitas são mais sensíveis a distúrbios ambientais do que seus próprios hospedeiros (MARCOGLIESE 2005), que são observados através de mudanças na prevalência (número de hospedeiros parasitados dividido pelo número total de hospedeiros) e intensidade (número de parasitos de uma determinada espécie dividido pelo número de hospedeiros parasitados), bem como sua ocorrência ou abundância (NEGREIROS et al. 2018). Portanto, os inventários são a base para estudos parasitológicos, e determinar quais e quantas espécies fazem parte de um ecossistema é essencial para entender a diversidade e o funcionamento dos organismos (SEGALLA et al. 2021).

A realização de estudo sobre Endoparasitas e Ectoparasitas é fundamental para a preservação das espécies que desempenham importantes papéis ecológicos como serpentes, animais biocontroladores da população de roedores (BARBOSA et al. 2006) que, a priori, são seus alimentos naturais (MORAIS 1996) dentro da cadeia trófica. Outro exemplo prático é a produção de conhecimento que possa servir na produção de políticas voltadas a conservação das espécies, como o estudo de parasitismo com espécies ameaçadas de extinção.  Por exemplo, o estudo com Adelophryne maranguapensis Hoogmoed, Borges e Cascon 1994, uma espécie endêmica ameaçada de extinção da APA de Maranguape, Ceará, Nordeste do Brasil (UICN 2020), que está sob forte pressão da degradação antrópica, que faz dessa espécie mais vulnerável devido a características como as baixas densidades populacionais e distribuição restrita, tornando-a mais frágil e suscetível a mudanças no meio ambiente (ABRAHÃO & ESCARLATE-TAVARES 2019). Com esse estudo, é possível inferir que a baixa prevalência de parasitas em A. maranguapensis, apesar dos efeitos antrópicos em seu habitat, apresenta uma relação estável, demonstrando uma boa saúde imunológica da espécie. A relação negativa entre o parasitismo e o tamanho do corpo dos indivíduos, e a similaridade no parasitismo entre os sexos, indica que a espécie provavelmente compartilha o mesmo espaço ao longo do tempo e apresenta uma sobreposição no uso do habitat. Além disso, considerando o ciclo de vida dos parasitas, A. maranguapensis apresenta uma sobreposição alimentar e, consequentemente, estão expostos às mesmas probabilidades de infecção (OLIVEIRA et al. 2022). Esse é um exemplo claro e importante de como um estudo sobre parasitos pode explicar vários pontos sobre a ecologia de uma espécie.

Figura 2 – Adelophryne maranguapensis. Foto: Robson W. Ávila.

REFERÊCIAS

  1. ABRAHÃO, C.R., & ESCARLATE-TAVARES, F. (2019) Ameaças à Herpetofauna da Mata Atlântica nordestina. In: Abrahão, C.R., Moura, G.J.B., Freitas, M.A., & Escarlate-Tavares, F. (Org.) Plano de ação nacional para a conservação da herpetofauna ameaçada da Mata Atlântica nordestina. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ICMBio, Brasília, pp. 162-174.
  2. ARAUJO-FILHO, J.A., OLIVEIRA, C.R., ÁVILA, R.W., ROBERTO, I.J. & ALMEIDA, W.O. (2013). Lachesis muta (Surucucu, Atlantic Forest Bushmaster). Parasitism. Herpetological review, 44, 692.
  3. BARBOSA, A.R., SILVA, H., ALBUQUERQUE, H.N., & RIBEIRO, I.A.M. (2006). Contribuição ao estudo parasitológico de jibóias, Boa constrictor constrictor Linnaeus, 1758, em cativeiro. Revista de biologia e ciências da terra 6, 1-18.
  4. CAMPIÃO, K.M., RIBAS, A.C.A., SILVA, I.C., DALAZEN, G.T., & TAVARES, L.E.R. (2016) Anuran helminth communities from contrasting nature reserve and pasture sites in the Pantanal wetland, Brazil. Journal of Helminthology 91, 91-96.
  5. CATALANO, S.R., WHITTINGTON, I.D., DONNELLAN, S.C., & GILLANDERS, B.M.(2013) Parasites as biological tags to assess host population structure: Guidelines, recent genetic advances and comments on a holistic approach. International Journal for Parasitology: Parasites and Wildlife 3,220-226.
  6. IUCN (2020) The IUCN red list of threatened species. Version 2020-1. Accessible at: https://www.iucnredlist.org (last access on: 14/04/2021).
  7. KURIS, A.M. (2008) Ecosystem energetic implications of parasite and free-living biomass in three estuaries.Nature 454, 515-518.
  8. MARCOGLIESE, D.J.(2004) Parasites: small players with crucial roles in the ecological theatre. Ecohealth1, 151-164.
  9. MARCOGLIESE, D.J. (2005) Parasites of the superorganism: are they indicators of ecosystem health?. International journal for parasitology 35, 705-716.
  10. MORAIS, Z.M.B. (1996) Importância do estudo do Ofidismo no Brasil. Recife: UFPE, 55 p.
  11. NEGREIROS, L.P., PEREIRA, F.B., TAVARES-DIAS, M., & TAVARES, L.E. (2018) Community structure of metazoan parasites from Pimelodus blochii in two rivers of the Western Brazilian Amazon: same seasonal traits, but different anthropogenic impacts. Parasitology Research 117, 3791-3798.
  12. OLIVEIRA, C.R., LIMA, D.C., ÁVILA, R.W., & BORGES-NOJOSA, D.M. (2022). Endoparasites of Adelophryne maranguapensis Hoogmoed, Borges & Cascon, 1994 (Anura, Eleutherodactylidae), an endemic and threatened species from an altitude swamp in northeastern Brazil. Parasitology Research 121, 1053-1057.
  13. POULIN, R., & KRASNOV, B.R. (2010) Similarity and variability of parasite assemblages across geographical space. pp.115-128 in Morand, S. & Krasnov, B. R. (Eds.) The biogeography of hostparasite interactions. Oxford University, New York.
  14. POULIN, R., & MORAND, S. (2004) Parasite Biodiversity, Smithsonian Institution Books, Washington, D.C., USA.
  15. SEGALLA, M.V., BERNECK, B., CANEDO, C., CARAMASCHI, U., CRUZ, C.A.G., GARCIA, P.C.A., … & LANGONE, J.A. (2021) Brazilian Amphibians: List of Species. Herpetologia Brasileira 10, 121-216.
  16. VITT, L.J., & CALDWELL, J.P. (2009) Herpetology, an introductory biology of amphibians and reptiles. 3 ed. Elsevier, Amsterdam.
  17. WINDSOR, D.A. (1998) Controversies in parasitology, most of the species on Earth are parasites. International journal for parasitology 28, 1939-1941.