Eu queria ser uma abelha pra pousar na tua flora

Por Lucas Abelardo Fernandes Alves de Sousa

A polinização biótica é definida como a transferência de microgametófitos altamente reduzidos – o pólen – da antera de uma planta para o estigma de outra, particularmente por intermédio de outros organismos. Esse processo, embora para alguns pareça de valor trivial (muito graças a seu caráter corriqueiro), é de extrema importância para a diversidade, bem como para continuidade da vida vegetal no planeta, visto que permite tanto a fertilização, quanto a produção de sementes viáveis com diversidade genética. Dentre os incontáveis agentes bióticos que desempenham um papel nesse meio, dada intensa pesquisa científica, certos grupos já são velhos conhecidos nas interações planta-animal, como os insetos, as aves e os mamíferos de pequeno porte. No entanto, recentemente, uma pequena perereca brasileira roubou os holofotes da área, sendo muito provavelmente a primeira espécie de anfíbio polinizador já descoberta.

A pequena grande novidade herpetológica em questão é a perereca Xenohyla truncata, com apenas cerca de cinco centímetros de comprimento, endêmica das planícies costeiras do Rio de Janeiro (áreas de restinga do Sudeste brasileiro). Pesquisadores brasileiros descobriram um novo e impressionante comportamento alimentar para essa curiosa criatura, que tanto a coloca como uma polinizadora em potencial de espécies vegetais nativas e exóticas, quanto expande o horizonte de possíveis papéis ecológicos distintos para outros anuros. A espécie foi observada utilizando movimentos de sucção para se alimentar do néctar altamente energético, em especial, mas não somente, da fruteira brasileira Cordia taguahyensis (nativa das mesmas áreas úmidas), e posteriormente foi verificada carregando grão de pólen no caminho de uma flor para outra. Inclusive, presumivelmente selecionando dimensões e formatos das estruturas florais em suas passagens, tendo em vista que elas destroem as flores pequenas que não suportam seu tamanho e peso.

Figura 1 – Ilustração científica representando Xenohyla truncata e Cordia taguahyensis. Ilustrado por: Daniel Moreira Matos

Com o intuito de explicar a preferência ímpar por néctar, os autores do trabalho argumentam que, pelo fato de vocalizar ser uma das atividades fisiologicamente mais dispendiosas, no que diz respeito a recursos, a alimentação com néctar pode ser uma fonte extremamente considerável de energia (sobretudo em épocas reprodutivas) para indivíduos envolvidos em atividades tanto de vocalização, quanto de disputas territoriais. Os idealizadores do artigo citam também que, para as fêmeas, com o alto gasto energético para a produção de ovócitos, a procura por néctar pode ser decisiva para a sobrevivência.

Outrossim, mostra-se interessante destacar que a possível polinização não é o único ponto peculiar desta espécie fluminense, visto que, anteriormente, esse modesto anuro já era considerado bastante dessemelhante graças ao fato de ser um onívoro bastante capaz, alimentando-se ativamente de flores e tendo preferência excepcional por frutas, com um papel já estabelecido no bioma como dispersor de sementes. O conhecimento zoológico já consolidado mostra que a esmagadora maioria das espécies de anfíbios atuais são carnívoras, sendo os insetos os principais elementos de sua dieta. Para indivíduos pós-metamórficos, o consumo de frutas, bem como outras partes vegetais (folhas e flores, em particular), é um tipo de alimentação rara, conhecida apenas por um pequeno punhado de espécies, como a Xenohyla truncata, o que lança preocupações reais sobre a conservação dessas pequenas criaturas, que tendem a correr mais riscos de desaparecer à medida que a expansão imobiliária ameaça seu habitat costeiro.

REFERÊNCIAS

  1. DE-OLIVEIRA-NOGUEIRA, Carlos Henrique et al. Between fruits, flowers and nectar: The extraordinary diet of the frog Xenohyla truncata. Food Webs, v. 35, p. e00281, 2023.