Quem bebe veneno se torna antídoto?

As jararacas são serpentes da família Viperidae, peçonhentas e de comportamento agressivo. Seus mecanismos de envenenamento compreendem, pelo menos, três ações principais:
1. Ação proteolítica ou inflamatória (degrada componentes da matriz extracelular, causando necrose tecidual);
2. Ação coagulante (compete inibindo uma molécula ativadora da cascata de coagulação);
3. Ação hemorrágica (destrói as paredes dos vasos sanguíneos).
A atuação conjunta das três ações leva uma presa (dependendo do tamanho e do estado de saúde) à morte em um intervalo de minutos a horas (Figura 1).

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Figura 1. Jararaca do Norte (Bothrops atrox), natural da Serra de Ubajara, Ceará. (Fonte: Ávila, RW/NUROF-UFC).

Porém, as jararacas não são apenas predadoras. Elas também podem se comportar como presas.

Mas, se carregam uma peçonha tão poderosa, que pode destruir os tecidos animais, como um predador consegue comê-las sem se envenenar?  🤔

Alguns animais já tiveram registrada essa fantástica característica de predar uma jararaca sem morrerem envenenados. Mamíferos como doninhas e mangustos, alguns pássaros, lagartos e outras serpentes já foram apontados como “imunes” ao veneno de jararacas e cascavéis.

Por exemplo, a acauã (Herpetotheres cachinnans) é um falconídeo que foi visto recentemente predando uma Jararaca do norte (Bothrops atrox) em uma reserva na Floresta Amazônica do Equador1. O curioso é que a ave perspicaz arranca a cabeça da serpente antes de se alimentar do corpo… Claramente evitando comer a região das glândulas de veneno, e se esquivando de se expor à intoxicação (Figura 2).

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Figura 2. Acauã decapita jararaca do norte. (Fonte: Medrano-Vizcaíno, 2019).

Bem, se a acauã parece ser um falcão “arretado” de corajoso, por enfrentar uma jararaca para se alimentar, vejamos o próximo predador da nossa lista.

O Cassaco (Didelphis albiventris), também conhecido como Gambá de orelha branca, Saruê ou Mucura) é um pequeno marsupial registrado em quase todos os estados do Brasil e em países vizinhos. Apesar da fama em vida livre, o fenômeno precisava ser estudado de forma mais metódica. Em um estudo antigo, pesquisadores registraram a predação de Jararacas (Bothrops jararaca), por Cassacos em cativeiro2(Figura 3). Observaram que tanto machos, quanto fêmeas, adultos e jovens, tinham o mesmo comportamento: mordiam a serpente na cabeça, depois as sacudiam forte; ao percebê-las imóveis, iniciavam a ingestão, comendo primeiro a cabeça. Em outro estudo, com outra espécie de Cassaco e predação de cascavéis, perceberam que mesmo quando eram picados, não havia sinais clínicos e a predação não era interrompida3.

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Figura 3. Sequência de comportamento de predação de Jararaca por Cassaco. (Fonte: Oliveira et al., 1999).

Isso sim é que é ter “sangue no olho”! Nada de jogar a cabeça fora; é a primeira parte que é comida.

Estudos posteriores mostraram que Cassacos que se alimentam de serpentes peçonhentas desenvolvem ferramentas bioquímicas de evasão de diferentes moléculas tóxicas, neutralizando as ações danosas dos venenos em seu organismo. É um tipo de “imunidade”, adquiridas em longo…longo prazo, num processo denominado como coevolução adaptativa. Proteínas anti-hemorrágicas4 e ausência do fator pró-coagulante de van Willebrand5 já foram descritas como estratégias de evasão à toxicidade dos venenos em Cassacos.

Já a cobra preta Muçurana (Clelia clelia)  é conhecida há décadas por “arrochar o nó” quando o assunto é Jararaca. Estudos do final do século passado confirmaram que seu soro sanguíneo aquecido era capaz de neutralizar efeitos inflamatórios e necróticos em pele e musculatura de camundongos de laboratório intoxicados experimentalmente pela Jararaca de veludo (Bothrops asper)6,7. Tanto o soro de Muçuranas adultas quanto de recém-nascidas tinha esse fantástico poder. Ô bichas “pais d’égua”!

Por último, o crocodilo americano (Alligator mississippiensis) foi o mais recente predador a ter confirmadas as propriedades antiveneno de jarararacas8. Seu soro sanguíneo foi testado em camundongos experimentalmente intoxicados por veneno de Jararaca cabeça de cobre (Agkistrodon contortrix), e observou-se neutralização da ação hemolítica de enzimas metaloproteinases. Aí eu “dou valor”!

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Confira os termos regionais:

Arretado: qualidade de algo ou alguém que é muito bom em algum aspecto.

Sangue no olho: indivíduo valente.

Arrochar o nó: enfrentar bravamente.

Pai d’égua: Legal, bacana.

Dar valor: valorizar; curtir; gostar muito.

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Autora: Roberta da Rocha Braga



Referências

  1. MEDRANO-VIZCAÍNO, P. Predating behavior of the Laughing falcon (Herpetotheres cachinnans) on the venomous Amazonian pit viper Bothrops atrox (the use of roads as a prey source). BioRisk, v. 14, p. 25–30, jul. 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.3897/biorisk.14.35953&gt;.
  2. OLIVEIRA, M. E.; SANTORI, R. T. Predatory Behavior of the Opossum Didelphis albiventris on the Pitviper Bothrops jararaca. Studies on Neotropical Fauna and Environment, v. 34, n. 2, p. 72–75, 9 ago. 1999. Disponível em: <http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1076/snfe.34.2.72.2105&gt;.
  3. ALMEIDA-SANTOS, S. M. et al. Predation by the Opossunn Didelphis marsupialis on the Rattlesnake Crotalus durissus. Current herpetology, v. 19, n. 1, p. 1–9, 2000. Disponível em: <http://joi.jlc.jst.go.jp/JST.Journalarchive/hsj2000/19.1?from=CrossRef&gt;.
  4. NEVES-FERREIRA, A. G. . et al. Isolation and characterization of DM40 and DM43, two snake venom metalloproteinase inhibitors from Didelphis marsupialis serum. Biochimica et Biophysica Acta (BBA) – General Subjects, v. 1474, n. 3, p. 309–320, maio 2000. Disponível em: <https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0304416500000222&gt;.
  5. JANSA, S. A.; VOSS, R. S. Adaptive evolution of the Venom-targeted vWF protein in opossums that Eat Pitvipers. PLoS ONE, v. 6, n. 6, 2011.
  6. LOMONTE, B. et al. Neutralization of local effects of the terciopelo (Bothrops asper) venom by blood serum of the colubrid snake Clelia clelia. Toxicon, v. 20, n. 3, p. 571–579, jan. 1982. Disponível em: <https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/0041010182900514&gt;.
  7. LOMONTE, B. et al. [The serum of newborn Clelia clelia (Serpentes: Colubridae) neutralizes the hemorrhagic action of Brothrops asper venom (Serpentes: Viperidae)]. Revista de biologia tropical, v. 38, n. 2A, p. 325–6, nov. 1990. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2101463&gt;.
  8. FINGER, J. W. et al. American Alligator (Alligator mississippiensis) Serum Inhibits Pitviper Venom Metalloproteinases. Journal of Herpetology, v. 54, n. 2, p. 151, 11 mar. 2020. Disponível em: <https://bioone.org/journals/journal-of-herpetology/volume-54/issue-2/19-027/American-Alligator-Alligator-mississippiensis-Serum-Inhibits-Pitviper-Venom-Metalloproteinases/10.1670/19-027.full&gt;.

A mortalidade de répteis e o tráfico de animais

O tráfico internacional de animais é um negócio de milhões de euros e envolve centenas de milhões de animais, dentre primatas, aves, répteis e peixes ornamentais. Os répteis são animais de estimação exóticos bem populares. Em alguns países, são retirados diretamente da natureza para a venda; em outros, como os do Reino Unido, movimentam um setor da indústria pet, o da reprodução em cativeiro, que é avaliado em 200 milhões de Libras.

Devido a questões de bem estar animal, perda de biodiversidade e bioética, muito se tem debatido sobre o crescimento do comércio de animais de estimação exóticos.

As legislações internacionais e regionais são muito dinâmicas e estão sempre mudando e adicionando novas restrições. Países como Austrália e Nova Zelândia possuem regras rígidas em relação ao comércio e manutenção de animais exóticos. De acordo com o Animal Welfare Act, na Noruega é proibida a criação de animais exóticos como de estimação, desde 2013. Na última década, os EUA incluíram oito espécies de grandes serpentes constritoras na lista de Injurious Wildlife, consideradas prejudiciais aos ecossistemas locais, tendo, portanto, sua importação proibida.

A maior preocupação de muitos pesquisadores, biólogos, médicos veterinários e protetores de animais é a taxa de mortalidade de répteis que são traficados. Eles podem morrer quando retirados do ambiente selvagem, durante o transporte, e mesmo na casa do consumidor final. Por causa disso, realizaram uma pesquisa através de entrevistas a criadores em dois grandes eventos de herpetocultores no Reino Unido. As perguntas compreenderam dados demográficos, rotina de manejo dos animais no cativeiro e a experiência com morte de animais, incluindo o tempo que passaram com os mesmos após adquiridos. Foram respondidos 265 questionários, abrangendo o histórico de mais de 6 mil répteis. Os entrevistados revelaram que 97% das serpentes, 69% dos quelônios e 87% dos lagartos procediam de reprodução em cativeiro. De forma global, a mortalidade foi estimada em 3,6% no primeiro ano; porém, aplicando os parâmetros distintivos de espécies e procedência, a mortalidade se mostrou muito variável. As serpentes procedentes de reprodução em cativeiro tiveram as menores taxas de mortalidade, com média de 2,3%. Os lagartos, por sua vez, tiveram mortalidades muito mais altas, e maiores ainda quando vindos do ambiente natural. Geckos, iguanas, skinks e tejos apresentaram mortalidade de 6 a 10% no primeiro ano. Camaleões poderiam chegar a 30%.

No Brasil, o IBAMA permite a importação de animais exóticos apenas para Zoológicos e Criadouros científicos ou conservacionistas devidamente registrados (Portaria IBAMA n°93/1998). Desde 2002 (IN IBAMA n°31/2002), proibiu a autorização de funcionamento para novos criadouros de répteis, anfíbios e invertebrados com fins comerciais, sob justificativa de defesa agropecuária do território e de seus ecossistemas.

Quanto às últimas polêmicas sobre a importação de serpentes peçonhentas exóticas e sua manutenção em cativeiro, não existe autorização para tal. O IBAMA não permite a criação de serpentes peçonhentas como de estimação. Os envolvidos serão indiciados e pagarão multa de alguns milhares de reais. Caso seja caracterizado que infligiram maus tratos ou expuseram a sociedade ao risco, poderão sofrer pena de reclusão, caso sejam condenados.

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Figura 1. Animais traficados via correio. Fonte: IBAMA-PR.

Dentro do território nacional, também há transporte e comércio ilegais de espécies nativas. Há poucos dias, a Polícia Rodoviária Federal apreendeu quase 1500 filhotes de jabutis no porta-malas de um carro, na BR-116 em Minas Gerais. Os animais estavam amontoados em sacos de nylon. Foram encontrados 45 animais mortos. Os três homens no carro informaram que pegaram os animais em Feira de Santana, na Bahia, e estavam levando para vender em Juiz de Fora. Eles foram presos em flagrante por tráfico e maus tratos aos animais.

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Figura 2. Fonte: Polícia Militar de Minas Gerais – Divulgação.

Autora: Roberta da Rocha Braga



Referências

Botallo, A. Caso de naja que picou estudante em Brasília reacende debate sobre tráfico ilegal de animais. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 Jul 2020. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2020/07/caso-de-naja-que-picou-estudante-em-brasilia-reacende-debate-sobre-trafico-ilegal-de-animais.shtml Acesso em 21 Jul 2020.

BRASIL. Legislação de Fauna Silvestre. Disponível em http://www.ibama.gov.br/legislacao/legislacao-fauna-silvestre?view=default Acesso em 21 jul 2020.

Drummond, I. Polícia apreende 1.459 filhotes de jabutis e calopsitas em Minas. Estado de Minas Gerais, Minas Gerais, 20 Jul 2020. Disponível em https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/07/20/interna_gerais,1168600/policia-apreende-1-459-filhotes-de-jabutis-e-calopsitas-em-minas.shtml Acesso em 23 Jul 2020.

Fernandes, T.M. Tráfico de Animais Silvestres e Biopirataria. Disponível em http://www.spvs.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Trafico-de-Animais-Silvestres-e-Biopirataria.pdf Acesso em 23 Jul 2020.

Robinson, J. E., St John, F. A., Griffiths, R. A., & Roberts, D. L. (2015). Captive Reptile Mortality Rates in the Home and Implications for the Wildlife Trade. PloS one10(11), e0141460.

Serpentes da Caatinga: Psomophis joberti

A Tribo de serpentes Psomophini é composta por três espécies com alto suporte monofilético, Psomophis genimaculatus (Boettger, 1885), Psomophis joberti (Sauvage, 1884), e Psomophis obtusus (Cope, 1863), as duas primeiras definidas como espécies irmãs e a outra espécie do grupo como irmã das demais, essas relações são bem definidas, através de caracteres morfológicos (morfologia interna e externa) e moleculares (Myers & Cadle, 1994; Grazziotin et al., 2012;Tedeshi, 2013).

Psomophis joberti, popularmente conhecida como cobra cadarço, é uma serpente com tamanho corpóreo pequeno (CRC médio = 365,8), cauda curta com a ultima escama modificada em forma de espinho, esses animais são diurnos e terrestres, possuí distribuição ampla, ocorrendo do Pantanal até a Caatinga (Myers e Cadles, 1994; Mesquita, et al. 2013;Tedeshi, 2013). A alimentação consiste em anfíbios e lagartos (Strüssmann & Sazima 1993). Na International Union for Conservation of Nature (IUCN), encontra-se no status Menor Preocupação (Silveira et al. 2020).

Psomophis joberti é uma espécie dócil, primeira reação da serpente de defesa é tentar fugir, no entanto, quando capturada, pode utilizar sua escama modificada, tentando inserir seu espinho caudal, pressionando-o contra quem o manuseia, outra forma de defesa dessa serpente é a descarga cloacal, que é quando o animal libera uma substância com odor característico através da cloaca, tentando intimidar o coletor.

 

Figura 1. Psomophis joberti. Fonte: Silvilene Matias

Autora: Silvilene Matias



Referências

Grazziotin F.G., Zaher H., Murphy R.W., Scrocchi G., Benavides M. a., Zhang Y.-P., &  Bonatto S.L. (2012) Molecular phylogeny of the New World Dipsadidae (Serpentes: Colubroidea): a reappraisal. Cladistics, 28, 437–459.

Mesquita, P.C.M.D., Passos, D.C., Borges-Nojosa, D.M., & Cechin, S.Z. (2013) Ecologia e história natural das serpentes de uma área de Caatinga no nordeste brasileiro. Papéis Avulsos de Zoologia, 53 (8), 99-113.

Myers C.W. & Cadle J.E. (1994) A new genus for South American snakes related to  Rhadinaea obtusa Cope (Colubridae) and resurrection of Taeniophallus Cope for the “Rhadinaea” brevirostris group. American Museum Novitates, 3102, 1–33.

Silveira, A.L., Prudente, A.L. da C., Argôlo , A.J.S., Abrahão, C.R., Nogueira, C. de C., Barbo, F.E., Costa, G.C., Pontes, G.M.F., Colli, G.R., Zaher, H. el D., Borges-Martins, M., Martins, M.R.C., Oliveira , M.E., Passos, P.G.H., Bérnils, R.S., Sawaya, R.J., Cechin, C.T.Z & da Costa, T.B.G. (2019) Psomophis joberti. The IUCN Red List of Threatened Species 2019: e.T15182335A15182384. https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2019-2.RLTS.T15182335A15182384.en. acesso 07 June 2020.

Strüssmann, C. & Sazima, I. (1993) The snake assemblage of the Pantanal at Poconé, Western Brazil: Faunal composition and ecological summary. Studies on Neotropical Fauna and Environment, 28 (3): 157-168.

Tedeschi, L. G. (2013) Filogenia molecular e biogeografia de Psomophis Myers & Cadle 1994 e a história da diagonal de áreas abertas neotropicais. 2013. 46 f., il. Dissertação (Mestrado em Biologia Animal) – Universidade de Brasília, Brasília.

Quem são as sucuris?

As sucuris, também chamadas de anacondas, fazem parte da família dos boídeos, habitam praticamente toda a América do Sul, e estão entre as maiores serpentes do mundo, dividindo a coroa com as pítons, e por isso são consideradas predadoras de topo.

As sucuris são animais sub-aquáticos, podendo ser encontradas em rios, lagoas, pântanos e brejos; possuem hábito alimentar generalista, sendo aves a presa favorita; estão ativas tanto durante o dia quanto a noite e se reproduzem durante o período seco, de modo agregado (Terra, 2018). Saiba mais clicando aqui.

As sucuris pertencem ao gênero Eunectes, com quatro espécies ao todo, três delas ocorrendo no Brasil.

A sucuri-verde (Eunectes murinus) é a espécie mais amplamente distribuída geograficamente e por conta disso também é a mais estudada. Ela ocorre em vários estados em todas as regiões do Brasil e em diversos países da América do Sul. Além disso, a sucuri-verde também é a espécie que possui os maiores registros de tamanho desses animais.

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Figura 1. Sucuri-verde (Eunectes murinus). Fonte: Reptile Database.

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Figura 2. Sucuri-verde (Eunectes murinus). Fonte: Reptile Database.

A sucuri do Pantanal ou sucuri-amarela (Eunectes notaeus) possui menor tamanho e habita estados do Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil e regiões da Bolívia, Paraguai, Uruguai e Argentina.

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Figura 3. Sucuri-amarela (Eunectes notaeus). Fonte: Reptile Database.

5284Figura 4. Sucuri-amarela (Eunectes notaeus). Fonte: Reptile Database.

A “sucuri-de-manchas-pretas” (anaconda), Eunectes deschauenseei, é a que está mais restritamente distribuída dentre as espécies brasileiras, ocorrendo apenas em alguns estados do extremo Norte do Brasil e na Guiana Francesa. Existem poucos estudos envolvendo essa espécie e sua biologia é bastante desconhecida.

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Figura 5. Sucuri-de-manchas-pretas (Eunectes deschauenseei). Fonte: Anakondas.de (http://www.anakondas.de/cms/front_content.php?idcat=8)

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Figura 6. Sucuri-de-manchas-pretas (Eunectes deschauenseei). Fonte: André Cardoso (https://www.flickr.com/photos/138955704@N02/43201909312/in/photostream/)

Além das espécies que ocorrem no Brasil, existe ainda a sucuri-da-bolívia (Eunectes beniensis) que, como seu próprio nome afirma, é restrita a regiões da Bolívia.

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Figura 7. Sucuri-da-bolívia (Eunectes beniensis). Fonte: Reptile Database.

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Figura 7. Sucuri-da-bolívia (Eunectes beniensis). Fonte: Alexandra Castaneda (https://www.inaturalist.org/observations/12930249)

É essencial ressaltar a importância de desenvolver estudos e pesquisas para melhor compreender a biologia dessas serpentes, visto que apesar de serem animais de grande porte (até mesmo enorme), ainda existem espécies pouco conhecidas, tornando difícil até mesmo de estimar seu estado de conservação, como é o caso da Eunectes deschauenseei.

Autora: Isabel Cristina



Referências

  1. Eunectes murinus (LINNAEUS, 1758). The Reptile Database, 2020. Disponível em: < http://reptile-database.reptarium.cz/species?genus=Eunectes&species=murinus&search_param=%28%28search%3D%27eunect%27%29%29>. Acesso em: 24 de jun. de 2020.
  2. Eunectes notaeus (COPE, 1862). The Reptile Database, 2020. Disponível em: <http://reptile-database.reptarium.cz/species?genus=Eunectes&species=notaeus&search_param=%28%28search%3D%27eunect%27%29%29>. Acesso em: 24 de jun. de 2020.
  3. Eunectes deschauenseei (DUNN & CONANT, 1936). The Reptile Database, 2020. Disponível em: <http://reptile-database.reptarium.cz/species?genus=Eunectes&species=deschauenseei&search_param=%28%28search%3D%27eunect%27%29%29>. Acesso em: 24 de jun. de 2020.
  4. Eunectes beniensis (DIRKSEN, 2002). The Reptile Database, 2020. Disponível em: <http://reptile-database.reptarium.cz/species?genus=Eunectes&species=beniensis&search_param=%28%28search%3D%27eunect%27%29%29>. Acesso em: 24 de jun. de 2020.
  5. Junior, Vidal Haddad (Org.). et al. Sucuris: Biologia, Conservação, Realidade e Mitos de Uma das Maiores Serpentes do Mundo. 1. ed. Rio de Janeiro: Technical Books, 2012.
  6. Terra, J.S. 2018. Ecologia, nicho climático e efeitos das mudanças climáticas sobre a distribuição potencial das espécies do gênero Eunectes (Squamata, Serpentes). Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.

Paramyxovírus em serpentes

Você já tomou a sua vacina tríplice viral?

Ela protege contra Sarampo, Caxumba e Rubéola. As duas primeiras doenças são causadas por PARAMYXOVÍRUS.

Os Paramyxovírus (myxo = afinidade por MUCOSAS) são vírus pleomórficos, envelopados, com nucleocapsídeo helicoidal e RNA fita simples de sentido negativo. São considerados vírus grandes, medindo 150 nm de diâmetro ou mais. Replicam-se no citoplasma das células-alvo, com afinidade por tecidos linforreticulares e sistema respiratório. O vírus age bloqueando as vias da imunidade inata, como as vias do sistema complemento, a produção de interferons, e a maturação de células dendríticas pulmonares (o que também impede o desenvolvimento de uma imunidade adaptativa adequada). Sua ação citolítica e antinflamatória destrói as células-alvo com menor interferência dos mecanismos de defesa. Causam doenças agudas caracterizadas por sinais clínicos que dependem do sistema afetado, e muitas vezes são infecções generalizadas (1,2).  Causam sarampo em humanos, peste bovina, Doença de Newcastle em aves, cinomose em cães e doença sistêmica letal em cetáceos.

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Figura 1. Vírus da peste bovina. Fonte: Wikipedia

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Figura 2. Sarampo. Fonte: OMS

Em herpetofauna, o paramyxovírus ofídio (OPMV) acomete várias famílias de serpentes, com destaque para a família Viperidae.

Paramyxovírus em Serpentes

O primeiro registro de paramixovirose em serpentes foi em um serpentário suíço, no ano de 1972. Desde então, mais de 50 relatos de caso foram publicados (3).

As principais manifestações clínicas são secreção nasal, respiração pela boca com formação de dilatação submandibular (“papo”), debris orais e estertores respiratórios. Os casos crônicos podem evoluir para sinais neurológicos, como desequilíbrio postural, diminuição do reflexo de endireitamento, “olhar estrelas” (postura ortopneica) e paralisia. Podem ocorrer quadros assintomáticos com morte súbita. Os achados de necrópsia frequentemente incluem pneumonia caseosa com fibrose intersticial, hipertrofia do epitélio respiratório e inclusões eosinofílicas intracitoplasmáticas (4).

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Figura 3. Serpentes com sinais clínicos de doença respiratória viral. A) Secreção mucosa na cavidade oral. B) Respiração pela boca. (6)

Em 1997, um surto de doença não identificada, levou a óbito cerca de 400 cascaveis (Crotalus durissus terrificus) no Criadouro Científico do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (CEVAP), unidade complementar da UNESP (SP). Na ocasião, suspeitava-se de um doença contagiosa, mas a investigação somente foi realizada alguns anos depois, gerando uma tese de doutorado. Durante a pesquisa posterior, 24/51 serpentes foram a óbito, sendo que 23 (95,8%) foram positivas para OPMV, utilizando-se a técnica do Nested PCR em macerados de pulmões coletados à necrópsia. Os achados de necrópsia revelaram traqueia e pulmões com focos de hemorragia e secreções com debris caseosos. Algumas pneumonias foram complicadas pela infecção oportunista por Mycoplasma sp. e bactérias gram-negativas, como Salmonella sp. e Pseudomonas sp.. (5).

Algumas tentativas de se desenvolver vacinas com vírus inativados para o OPMV foram realizadas nos anos 1990, porém nenhuma concentração significante e duradoura de anticorpos específicos foi observada na ocasião (3).

Autora: Roberta da Rocha Braga



Referências

  1. Quinn, P.J. et al. Paramyxoviridae. In: Microbiologia Veterinária e Doenças Infecciosas. Porto Alegre: ArtMed, 2005.
  2. Parks, G. D., & Alexander-Miller, M. A. (2013). Paramyxovirus activation and inhibition of innate immune responses. Journal of molecular biology, 425(24), 4872–4892.
  3. Hyndman, T.H., Shilton, C.M., Marschang, R.E. Paramyxoviruses in reptiles: a review. Vet Microbiol. 2013;165(3-4):200‐213.
  4. Ritchie, B.(2006). Virology. In: Mader, D.R. Reptile Medicine and Surgery. 2nd ed. Saint Louis: Saunders, 2006. pp. 391-417.
  5. Nogueira, M.F. Estudo de Paramyxovírus, Mycoplasma e bacilos gram-negativos no trato respiratório de serpentes Crotalus durissus terrificus. Tese (Doutorado) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Botucatu, Universidade Estadual Paulista, 2004. 200p. Disponível em https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/101309/ nogueira_mf_dr_botfmvz.pdf? sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 15 jul. 2011.
  6. Laura L. Hoon-Hanks, Marylee L. Layton, Robert J. Ossiboff, John S.L. Parker, Edward J. Dubovi, Mark D. Stenglein, Respiratory disease in ball pythons (Python regius) experimentally infected with ball python nidovirus,Virology, Volume 517, 2018, Pages 77-87. Under a Creative Commons License –  CC by 4.0

Predação do lagarto Tropidurus hispidus por Oxyrhopus trigeminus

A serpente Oxyrhopus trigeminus (uma espécie de falsa-coral) ocorre em áreas do Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Amazônia (Alencar et al. 2012). A espécie é ovípara, terrestre e possui hábitos predominantemente noturnos (Marques et al. 2005). Essa serpente, assim como outras espécies da tibo Pseudoboini, apresenta dieta variada, ingerindo principalmente mamíferos, lagartos e aves (Mesquita et al. 2013). A maioria das espécies de serpentes usa a constrição para imobilizarem suas presas, embora O. trigeminus seja constritora, também é capaz de inocular substâncias em suas presas através de seus dentes opistóglifos que estão ligados à glândula de Duvernoy ou glândula de veneno (Vanzolini et al. 1980; Serapicos & Merusse 2006).

IMG_20200509_095509964Figura 1: Oxyrhopus trigeminus predando Tropidurus hispidus.

IMG_20200509_101441365_HDRFigura 2.

Tropidurus hispidus ocorre no nordeste da América do Sul entre Venezuela e Minas Gerais, Brasil (Ávila-Pires 1995). Este lagarto é ovíparo e possuí hábitos considerados generalistas, ocupando vários ambientes, como, superfícies rochosas no chão, nas margens das florestas, em troncos de árvores e solos arenosos. T. hispidus é considerado a maior espécie do gênero e é classificada como forrageira e sua principal alimentação são os insetos (Santana et al. 2014; Gomes et al. 2015).

Registros de predação que envolvem serpentes e lagartos são raramente observados na natureza. O indivíduo adulto de T. hispidus foi observado e fotografado sendo predado por Oxyrhopus trigeminus, Mikalauskas et al registraram este mesmo comportamento de predação em 2017. A captura inicial não foi observada, quando os animais foram vistos pela primeira vez, a serpente estava engolindo o lagarto, a predação teve início pela cabeça, este é a principal forma de ingestão de presas por serpentes. Os animais estavam no solo, seguindo o padrão terrestre dessa espécie de serpente, como já foi definida anteriormente.

 

Figura 3.

Observações como esta nos permite compreender sobre aspectos da história de vida desses animais, principalmente do predador.

Quer saber mais sobre hábitos alimentares das serpentes? Então confere esse texto aqui.

Autora: Silvilene Matias
Fotografias: Silvilene Matias e Bruno Guilhon



Referências:

Alencar L.R., Galdino C.A. & Nascimento L.B. (2012) Life History Aspects of Oxyrhopus trigeminus (Serpentes: Dipsadidae) from Two Sites in Southeastern Brazil. Journal of Herpetology, 46(1): 9–13.

Ávila-Pires T.C.S. (1995) Lizards of Brazilian Amazonia (Reptilia: Squamata). Zoologische Verhandelingen, 299(1): 1–706.

Gomes F.F.A., Caldas F.L.S., Santos R.A., Silva B.D., Santana D.O., Rocha S.M., Ferreira A.S. & Faria R.G. (2015) Patterns of space, time and trophic resource use by Tropidurus hispidus and T. semitaeniatus in an area of Caatinga, northeastern Brazil. The Herpetological Journal, 25(1): 27–39.

Marques O.A.V., Eterovic A., Strussmann C. & Sazima I. (2005) Serpentes do Pantanal: Guia Ilustrado. Ribeirão Preto: Holos Editora. 179 p.

Mesquita P.C.M.D., Passos D.C., Borges-Nojosa D.M. & Cechin S.Z. (2013) Ecologia e história natural das serpentes de uma área de Caatinga no nordeste brasileiro. Papéis Avulsos de Zoologia, 53(8): 99–113.

Mikalauskas J.S., Santana D.O. & Ferrari S.F. (2017) Lizard predation Tropidurus hispidus (Squamata, Tropiduridae) by false coral snake Oxyrhopus trigeminus (Squamata, Dipsadidae) in the Caatinga, in northeastern Brazil. Pesquisa e Ensino em Ciências Exatas e da Natureza, 1(1): 60–67.

Santana D.O., Caldas F.L.S., Gomes F.F.A., Santos R.A., Silva B.D., Rocha S.M. & Faria R.G. (2014) Aspectos da História Natural de Tropidurus hispidus (Squamata: Iguania: Tropiduridae) em área de Mata Atlântica, nordeste do Brasil. Neotropical Biology and Conservation, 9(1): 55–61.

Serapicos E.O. & Merusse J.L.B. (2006) Estudo anatômico, morfológico, histoquímico e ultra-estrutural da glândula de Duvernoy de seis espécies de colubrídeos opistóglifos (Serpentes – Colubridae – Xenodontinae). Tese (doutorado) – Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia. Departamento de patologia, 190 p.

Vanzolini P.E., Ramos-Costa A.M.M. & Vitt L.J. (1980) Répteis das Caatingas. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências. 162 p.

 

Vocalização em serpentes?

As serpentes são animais incríveis que despertam sempre sentimentos fortes nas pessoas, seja medo ou admiração, e isso se dá por um conjunto de características singulares presentes nesses animais, como formato característico do corpo, adaptações a diversos ambientes e algumas curiosidades, como o fato de comerem presas bem maiores que a própria cabeça ou até mesmo serem surdas. Os sentidos das serpentes também variam muitos entre esses animais, como formas de adaptação à diversidade de ambientes ocupados por elas. A visão, por exemplo, pode ter maior ou menor importância, chegando a ser praticamente zero em cobras-cegas fossoriais (Scolecophidia) (Greene, 1997), pois para quê enxergar quando se vive embaixo da terra, não é mesmo?!

O conhecimento acerca dessas serpentes-fossoriais-e-cegas é quase sempre deficiente (imagina a dificuldade de encontrá-las?!) e parece que elas guardam mais mistérios do que se imagina. Recentemente o biólogo americano Christian Alessandro Perez-Martinez gravou um vídeo de uma cobra-cega-focinho-de-pá da Austrália (Anilios unguirostris, fig. 1) onde supostamente essa serpente fossorial estaria vocalizando. Mas, se as serpentes são surdas, para quê a emissão de sons?

 

Anilios unguirostris_Figura 1

Figura 1: Cobra-cega-focinho-de-pá da Austrália (Anilios unguirostris) Foto de Christian Alessandro Perez-Martinez.

 

Bem, muitas espécies de serpentes emitem sons de defesa ao exalar o ar com grande intensidade através da glote, como o famoso “bafo-da-jibóia” (Gans e Maderson, 1973) (fig. 2). Porém, sons emitidos para intuito de comunicação entre serpentes não são conhecidos pela comunidade científica, pois como já citado, elas são ditas surdas. Mas será mesmo que todas elas são surdas?

 

bafo jiboia_figura 2

Figura 2: Jiboia (Boa constrictor) com boca aberta ao emitir som característico de defesa, conhecido como bafo-de-jiboia. Foto de Joe Blossom.

 

Vocalização em lagartos é um evento bem documentado em diversos grupos, porém são os geckos-sem-patas-da-Austrália (Delma spp.) que agrupam tanto o mais complexo aparato de recepção sonora quanto o de emissão de mais altas frequências dentro dos lagartos, indicando que a audição em vertebrados é fortemente influenciada por restrições físicas e ecológicas de cada espécie (Manley e Kraus, 2010).

Em serpentes ditas basais (Scolecophidia, ou cobras-cegas-fossoriais), o aparato de transmissão de sons é mais similar ao de lagartos fossoriais do que em outros grupos de cobras, e supõe-se que em grupos de serpentes mais derivadas (Boidea, Caenophidia – espécies mais famosas, como jiboia, coral, jararaca) o sistema timpânico que permite a transmissão de sons foi perdido na adaptação para predação de grandes presas (Rieppel, 1980). Portanto, a constatação de que cobras são surdas pode não ser tão verdade assim para essas pequenas cobras que vivem embaixo da terra, como é o caso da espécie que aparece no vídeo. Dessa forma, se elas poderiam ter certa capacidade de ouvir e, visto que a emissão de sons para comunicação está fortemente relacionada à capacidade de recepção desse som pelos demais indivíduos da mesma espécie, seria então o caso dessas serpentes, na ausência de luz embaixo da terra, se comunicassem usando sons? Fica aqui uma indagação para pesquisadores curiosos nos responder no futuro.

Se você conhece alguma informação que possa nos ajudar a compreender esse assunto não hesite em comentar aqui embaixo.

 

Texto por Castiele Holanda Bezerra, bióloga do NUROF-UFC

 

 

 

Referências:

Gans, C.; Maderson, P. F. A. 1973. Sound Producing Mechanisms in Recent Reptiles: Review and Comment. American Zoologist, 13: 1195-1203.

Greene, H. W. 1997. Snakes: the evolution of mystery in nature. University of California Press, Berkeley.

Manley, G. A.; Kraus, J. E. M. 2010. Exceptional high-frequency hearing and matched vocalizations in Australian pygopod geckos. The Journal of Experimental Biology, 213:1876-1885.

Rieppel, O. 1980. The Sound-Transmitting Apparatus in Primitive Snakes and Its Phylogenetic Significance. Zoomorphology, 96:45-62.

Fui picado por uma cobra! E agora?

Caro leitor, não se preocupe. De fato, o Brasil abriga uma das maiores faunas de serpentes do mundo, mas apenas um pequeno número delas (cerca de 15%) é capaz de produzir e injetar veneno em outros animais (BERNARDE, 2011). Uma vez que você siga simples medidas de segurança, provavelmente não será vítima de uma ocorrência como essa.

Aqui no Brasil, temos apenas dois grupos de serpentes peçonhentas: os Viperídeos (grupo da Surucucu, Cascavel, Jararacas), e os Elapídeos (grupo das Corais verdadeiras).

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Figura 1. Lachesis muta. Foto: Jairo Maldonado.

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Figura 2. Micrurus ibiboboca registrada no Estado de Pernambuco. Foto: Marcelo Ribeiro Duarte.

De acordo com o Ministério da Saúde e o Instituto Butanan, caso seja picado por uma serpente e você não saiba se ela é de um dos grupos acima, é necessário manter a calma, lavar o local da picada apenas com água e sabão, se hidratar e ir imediatamente ao hospital. Ou seja, após o acidente, lave a ferida e vá ao hospital, levando uma garrafa de água para ficar bebendo.

No território nacional temos quase 2 mil polos listados pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmotológicas (Sintox), e nesses lugares você pode receber gratuitamente o soro antiofídico. Você pode acessar o documento através do link. Aqui em Fortaleza, por exemplo, os polos que disponibilizam soro são o Instituto Dr. José Frota (IJF) e a Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC).

Entretanto, costumam ser divulgadas algumas medidas (listadas abaixo) que estão erradas e que podem inclusive agravar o problema.

  1. Tomar uma bebida forte, como cachaça, funciona?

Não. O álcool tem três problemas principais. Primeiramente, o álcool no organismo desidrata os tecidos, dificultando a ação imunológica, ou seja, dificulta nosso corpo a combater o veneno. Além do mais, estando severamente sob o efeito de álcool, alguns sintomas da “embriaguez” podem ser confundidos com sintomas do envenenamento por cascavel ou coral, chamado de facies miastenicas (PINHO & PEREIRA, 2001), a famosa cara-de-bêbado, podendo prejudicar o diagnóstico médico e o tratamento. Por último, o álcool eleva a pressão sanguínea, fazendo com que o veneno circule mais rápido pelo corpo.

Facies miastênica. 
Fonte aqui.
  1. Fazer um torniquete no local é eficaz?

Não, pois pode piorar muito a situação. A maioria esmagadora dos acidentes ofídicos acontecem com as jararacas (mais de 90%) (BERNARDE, 2012), que possuem um veneno necrosante. Fazer uso do torniquete no local de uma picada de jararaca concentra o veneno, o que provavelmente irá destruir o tecido, às vezes causando até a perda de um membro.

  1. Urinar no local da picada melhora?

Não. A urina sai do corpo pela uretra, carregando microrganismos que irão contribuir para inflamar e até mesmo provocar uma infecção na ferida. Uma dica: essa prática não higiênica também serve para a água-viva e outros cnidários (HALSTEAD et al., 1990).

  1. Posso chupar o veneno para fora?

É impossível chupar o veneno para fora, pois imediatamente após a picada, ele começa a ser absorvido pelos tecidos e entrar na corrente sanguínea. Tampouco se deve pedir a um amigo para fazê-lo, pois se tiver resquício do veneno na superfície da picada, ele poderá envenenar-se também; alguns estudos sugerem também que a sucção pode exacerbar o dano tecidual, piorando a situação (BUSH, 2004). Enfim, “sugar” o veneno para fora comprovadamente não funciona e pode agravar o problema.

  1. Preciso levar a cobra que me picou?

O Ministério da Saúde diz que, se possível, o animal seja levado para identificação (FUNASA, 1998). Ademais, tirar uma foto poderá ajudar os médicos a identificar o animal, e passar o correto tratamento – e você não precisará se arriscar tentado pegar o animal.

Agora, também é interessante saber o que fazer para não ser picado, evitando ter que ir para um hospital e ter que ser tratado com soro. Siga essas instruções para não ter que passar por esse tipo de problema.

  1. Não manusear animais silvestres, mesmo que pareçam mortos. Vários animais podem adotar um comportamento de parecer estarem mortos para evitar predadores, chamado de Tanatose (você pode ver mais sobre isso aqui no Blog). Ao pegar esse animal, ele pode defender-se desferindo um bote.
  2. Usar vestimentas adequadas em regiões de matas. O principal é uma calça comprida e um calçado fechado. Como foi dito anteriormente, a maior parte dos acidentes ofídicos em nossa região é causada por jararacas, que são terrestres – com a vestimenta adequada, esse tipo de acidente já é evitado.

3. Esteja atento a situações de risco. Revirar folhas secas, levantar pedras, colocar a mão em buracos são os tipos de atividades que vão aumentar muito a sua chance de encontrar, não apenas serpentes, mas vários outros animais que usam esses lugares como abrigos (como aranhas e escorpiões). Tenha cuidado ao realizar essas atividades.

4. Caso aviste uma serpente, se afaste. Não é necessário fazer um alarde e tampouco precisa sair correndo. As serpentes possuem uma série de características sensoriais para a predação. Antes de avistá-la, muito provavelmente ela já tinha percebido que você estava ali, ela só não teve tempo hábil para fugir ou se esconder. Portanto, apenas se afaste devagar e siga seu caminho, pois ela não irá persegui-lo.

Dado o comportamento das serpentes e sua distribuição (podemos achá-las no meio urbano também), cabe apenas a nós adotarmos medidas para reduzir nossas chances de encontro com elas e reduzir o impacto causado no ambiente delas. As serpentes são predadores que exercem um papel ecológico muito importante, principalmente realizando o controle populacional de algumas espécies e necessitam serem respeitadas e protegidas, sejam peçonhentas ou não.

 

Texto pelo bolsista Lucas Araújo de Almeida

REFERÊNCIAS

1) SINTOX. Polos de soro para acidentes ofídicos. https://sinitox.icict.fiocruz.br/polos-de-soro-para-acidentes-ofidicos

2)  PINHO, F. M. O.; PEREIRA, I. D. Ofidismo. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 47, n. 1, p. 24-29, 2001.

3) BERNARDE, Paulo Sérgio. Anfíbios e répteis: introdução ao estudo da herpetofauna brasileira. Anolis Books, 2012.

4) BERNARDE, Paulo Sergio. Mudanças na classificação de serpentes peçonhentas brasileiras e suas implicações na literatura médica. Gazeta Médica da Bahia, n. 1, 2011.

5) BUSH, Sean P. Snakebite suction devices don’t remove venom: they just suck. Annals of emergency medicine, v. 43, n. 2, p. 187-188, 2004.

6) HALSTEAD, Bruce W.; AUERBACH, Paul S.; CAMPBELL, Dorman R. A colour atlas of dangerous marine animals. Wolfe Medical Publications, 1990.

7) FUNASA. Fundação Nacional de Saúde (Brazil), Brazil. Coordenaça̋o de Controle de Zoonoses, Animais Peçonhentos, & Centro Nacional de Epidemiologia (Brazil). Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, 1998.

Você já ouviu falar da Cobra-real (Ophiophagus hannah)?

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Figura 1. Retrato de uma cobra-real (Ophiophagus hannah). Créditos:© Bo Jonsson.

Você já teve curiosidade em saber qual é a maior cobra venenosa do planeta? A cobra-real ou cobra-rei ocupa essa posição com orgulho digno da realeza, podendo alcançar, quando adulta, um tamanho de em média 3 a 4 metros de comprimento e em alguns casos raros pode passar os 5 metros. Essa serpente é nativa das florestas tropicais e planícies da Índia, do sul da China e do sudeste da Ásia, possui uma coloração que varia muito de acordo com a região, possui um capuz (também pode ser chamado de capelo e é utilizado para que a serpente aparente ser maior do que é realmente) e consegue levantar até um terço do seu corpo quando se sente ameaçada ou está caçando, ou seja, seria o suficiente para ela olhar no olho de uma pessoa adulta. Apesar do grande porte e da aparência de durona, ela não possui um dos venenos mais fortes entre as serpentes, o segredo dela está na quantidade, injetando neurotoxinas suficientes para derrubar um elefante ou 20 pessoas.

King Cobra

Figura 2. Retrato de uma Cobra-real (Ophiophagus hannah). Créditos: Australia Zoo.

Antes de tomar um susto e se desesperar com ela, saiba que a cobra-rei evita bastante o contato com seres humanos (sempre que possível) e emite sons de alerta quando está se sentindo ameaçada que parece com um grunhido de cachorro, mas se tornam bem agressivas quando encurraladas. A alimentação dessas cobras da realeza é interessante, elas se alimentam principalmente de outras serpentes (Quer saber mais sobre cobras com esse mesmo hábito? Acesse: Cobra que bebe leite? Um pouco mais sobre a Pseudoboa nigra, a cobra preta! ) , o próprio nome do gênero faz menção a essa característica de  “comedora de serpentes” (Ophiophagus), mas elas também se alimentam de pequenos mamíferos, lagartos e ovos. A Cobra-rei apresenta uma característica bem peculiar e única entre as serpentes do mundo todo: elas fazem ninhos e protegem os ovos até que os filhotes nasçam.hrrrrrr

Gostou de saber um pouco mais sobre essas incríveis serpentes de “sangue azul”? Surgiu alguma dúvida?Deixe seu comentário!

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Figura 3. Retrato do corpo de uma Cobra-real (Ophiophagus hannah). Créditos: Gettyimages (E. Hanumantha Rao)

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Figura 4. Retrato de uma Cobra-real (Ophiophagus hannah). Créditos: Gettyimages (Thomas Marent/Minden Pictures)

 

Referências:

https://www.nationalgeographic.com/animals/reptiles/k/king-cobra/ > Acesso em: 28 de Julho de 2018.

https://super.abril.com.br/mundo-estranho/quais-sao-as-maiores-cobras-do-planeta/ > Acesso em : 28 de Julho de 2018.

https://www.arkive.org/king-cobra/ophiophagus-hannah/ > Acesso em : 28 de Julho de 2018.

https://video.nationalgeographic.com/video/til/170113-sciex-til-sandesh-kadur-king-cobras-cannibals > Acesso em: 30 de Julho de 2018.

Scientific American 88, 176 (1903)
doi:10.1038/scientificamerican03071903-176 > Acesso em: 30 de Julho de 2018.

Scientific American 196, 114 – 122 (1957)
doi:10.1038/scientificamerican0157-114 > Acesso em : 30 de Julho de 2018.

Lim, K. K., Leong, T. M., & Lim, F. L. (2011). The king cobra, Ophiophagus hannah (Cantor) in Singapore (Reptilia: Squamata: Elapidae). Nature in Singapore4, 143-156. > Acesso em :30 de Julho de 2018.

Mais artigos sobre a Cobra-Rei:

http://reptile-database.reptarium.cz/species?genus=Ophiophagus&species=hannah&search_param=%28%28search%3D%27ophiophagus+hannah%27%29%29 > Acesso em: 30 de Julho de 2018.

Serpente marinha apresenta melanismo em resposta a poluição

 

Nigel Marsh - Emydocephalus annulatus

A serpente marinha Emydocephalus annulatus. Fonte: Nigel Marsh, via Arkive.org.

A serpente marinha Emydocephalus annulatus está apresentando melanismo nas baías poluídas da ilha de Nova Caledônia, localizada no Oceano Pacífico (FIGURA 01)1. Segundo Shine et al. (2003), as vantagens térmicas oferecidas pelo melanismo não são aplicáveis às serpentes aquáticas1. Então qual seria a causa para esse melanismo nessas áreas poluídas? Sabe-se que elementos-traço, como metais em baixas concentrações, se ligam à melanina. No estudo de Chatelain et al. (2014), por exemplo, viu-se que a produção de penas mais escuras em pássaros aumenta a sua capacidade de se livrar de poluentes2. Também se sabe que serpentes e lagartos em habitats poluídos também acumulam esses elementos-traço e os expulsam de seu corpo através da sua ecdise, também chamada de muda, que é produzida quando sua pele é trocada3,4.

Mark O'Shea - Emydocephalus annulatus

Figura 01. Dois indivíduos de Emydocephalus annulatus, sendo o de cima portador de melanismo e o de baixo não. Fonte: Mark O’Shea, via Arkive.org.

Para verificar se o melanismo nessas serpentes estaria as livrando de poluentes danosos, Goiran et al. (2017) quantificaram elementos-traço nas ecdises de E. annulatus de ambientes urbanos e de outros ambientes, e nas ecdises de peles mais escuras e de mais claras. Após as quantificações, foi visto que existem maiores concentrações de elementos-traço nas ecdises de serpentes marinhas dos ambientes urbanos e nas ecdises de serpentes de peles mais escuras. Os autores também observaram que a excreção dos elementos-traço é melhorada pelo aumento da frequência das trocas de pele de E. annulatus com melanismo. A partir desses dados, os autores chegaram à conclusão de que o melanismo presente nessas serpentes marinhas de áreas poluídas facilita a excreção de elementos-traço através da muda de pele5.

O melanismo nessas serpentes é uma adaptação muito importante para garantir sua sobrevivência nesses ambientes naturais afetados pela atividade humana. É incrível que essa população de E. annulatus da Nova Caledônia tenha conseguido se adaptar e sobreviver à poluição do local em que vivem. Mas e as outras espécies que não conseguiram se adaptar a tempo e se extinguiram sem nem sequer termos chegado a conhecê-las? Você já parou para pensar na quantidade de animais que são afetados por nossas atividades? Quais são as consequências ecológicas locais e globais causadas pela nossa poluição? Fica a reflexão.

Texto escrito por Thaís Abreu, bolsista de extensão do NUROF-UFC.

REFERÊNCIAS

1 SHINE, R.; SHINE, T.; SHINE, B. Intraspecific habitat partitioning by the sea snake Emydocephalus annulatus (Serpentes, Hydrophiidae): the effects of sex, body size, and colour pattern. Biological Journal of the Linnean Society, v. 80, n. 1, p. 1-10, 2003. Disponível em: <https://academic.oup.com/biolinnean/article/80/1/1/2636133/Intraspecific-habitat-partitioning-by-the-sea >.

2 CHATELAIN, M.; GASPARINI, J.; JACQUIN, L.; FRANTZ, A. The adaptive function of melanin-based plumage coloration to trace metals. Biology letters, v. 10, n. 3, p. 20140164, 2014. Disponível em: <http://rsbl.royalsocietypublishing.org/content/10/3/20140164.short >.

3 HOPKINS, W. A.; ROE, J. H.; SNODGRASS, J. W.; JACKSON, B. P.; KLING, D. E.; ROWE, C. L.; CONGDON, J. D. Nondestructive indices of trace element exposure in squamate reptiles. Environmental Pollution, v. 115, n. 1, p. 1-7, 2001. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/John_Roe4/publication/11762476_Nondestructive_indices_of_trace_element_exposure_in_squamate_reptiles/links/0deec539da7a658eaf000000.pdf > .

4 LOUMBOURDIS, N. S. Heavy metal contamination in a lizard, Agama stellio stellio, compared in urban, high altitude and agricultural, low altitude areas of North Greece. Bulletin of environmental contamination and toxicology, v. 58, n. 6, p. 945-952, 1997. Disponível em: <https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs001289900426?LI=true >.

5 GOIRAN, C.; BUSTAMANTE, P.; SHINE, R.. Industrial Melanism in the Seasnake Emydocephalus annulatus. Current Biology, v. 27, n. 16, p. 2510-2513, 2017. Disponível em: <http://www.cell.com/current-biology/fulltext/S0960-9822(17)30810-2 >.