Vocalização em serpentes?


As serpentes são animais incríveis que despertam sempre sentimentos fortes nas pessoas, seja medo ou admiração, e isso se dá por um conjunto de características singulares presentes nesses animais, como formato característico do corpo, adaptações a diversos ambientes e algumas curiosidades, como o fato de comerem presas bem maiores que a própria cabeça ou até mesmo serem surdas. Os sentidos das serpentes também variam muitos entre esses animais, como formas de adaptação à diversidade de ambientes ocupados por elas. A visão, por exemplo, pode ter maior ou menor importância, chegando a ser praticamente zero em cobras-cegas fossoriais (Scolecophidia) (Greene, 1997), pois para quê enxergar quando se vive embaixo da terra, não é mesmo?!

O conhecimento acerca dessas serpentes-fossoriais-e-cegas é quase sempre deficiente (imagina a dificuldade de encontrá-las?!) e parece que elas guardam mais mistérios do que se imagina. Recentemente o biólogo americano Christian Alessandro Perez-Martinez gravou um vídeo de uma cobra-cega-focinho-de-pá da Austrália (Anilios unguirostris, fig. 1) onde supostamente essa serpente fossorial estaria vocalizando. Mas, se as serpentes são surdas, para quê a emissão de sons?

 

Anilios unguirostris_Figura 1

Figura 1: Cobra-cega-focinho-de-pá da Austrália (Anilios unguirostris) Foto de Christian Alessandro Perez-Martinez.

 

Bem, muitas espécies de serpentes emitem sons de defesa ao exalar o ar com grande intensidade através da glote, como o famoso “bafo-da-jibóia” (Gans e Maderson, 1973) (fig. 2). Porém, sons emitidos para intuito de comunicação entre serpentes não são conhecidos pela comunidade científica, pois como já citado, elas são ditas surdas. Mas será mesmo que todas elas são surdas?

 

bafo jiboia_figura 2

Figura 2: Jiboia (Boa constrictor) com boca aberta ao emitir som característico de defesa, conhecido como bafo-de-jiboia. Foto de Joe Blossom.

 

Vocalização em lagartos é um evento bem documentado em diversos grupos, porém são os geckos-sem-patas-da-Austrália (Delma spp.) que agrupam tanto o mais complexo aparato de recepção sonora quanto o de emissão de mais altas frequências dentro dos lagartos, indicando que a audição em vertebrados é fortemente influenciada por restrições físicas e ecológicas de cada espécie (Manley e Kraus, 2010).

Em serpentes ditas basais (Scolecophidia, ou cobras-cegas-fossoriais), o aparato de transmissão de sons é mais similar ao de lagartos fossoriais do que em outros grupos de cobras, e supõe-se que em grupos de serpentes mais derivadas (Boidea, Caenophidia – espécies mais famosas, como jiboia, coral, jararaca) o sistema timpânico que permite a transmissão de sons foi perdido na adaptação para predação de grandes presas (Rieppel, 1980). Portanto, a constatação de que cobras são surdas pode não ser tão verdade assim para essas pequenas cobras que vivem embaixo da terra, como é o caso da espécie que aparece no vídeo. Dessa forma, se elas poderiam ter certa capacidade de ouvir e, visto que a emissão de sons para comunicação está fortemente relacionada à capacidade de recepção desse som pelos demais indivíduos da mesma espécie, seria então o caso dessas serpentes, na ausência de luz embaixo da terra, se comunicassem usando sons? Fica aqui uma indagação para pesquisadores curiosos nos responder no futuro.

Se você conhece alguma informação que possa nos ajudar a compreender esse assunto não hesite em comentar aqui embaixo.

 

Texto por Castiele Holanda Bezerra, bióloga do NUROF-UFC

 

 

 

Referências:

Gans, C.; Maderson, P. F. A. 1973. Sound Producing Mechanisms in Recent Reptiles: Review and Comment. American Zoologist, 13: 1195-1203.

Greene, H. W. 1997. Snakes: the evolution of mystery in nature. University of California Press, Berkeley.

Manley, G. A.; Kraus, J. E. M. 2010. Exceptional high-frequency hearing and matched vocalizations in Australian pygopod geckos. The Journal of Experimental Biology, 213:1876-1885.

Rieppel, O. 1980. The Sound-Transmitting Apparatus in Primitive Snakes and Its Phylogenetic Significance. Zoomorphology, 96:45-62.

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