Herpesviruses em herpetofauna

Com certeza você já ouviu falar de herpes labial e genital… Aquelas bolhinhas incômodas, dolorosas e contagiosas, que reaparecem no infectado de tempos em tempos, são causadas por Herpesvírus. Mas você sabia que Herpesviruses podem causar doenças para os animais, e que representam grande perigo para as tartarugas marinhas? Fique por dentro no texto a seguir.

A família Herpesviridae contém mais de 100 vírus, de especial importância por sua ampla distribuição, ocorrência e diversidade. São vírus DNA-fita dupla, envelopados, de simetria icosaédrica, que medem entre 120-200nm. Infectam todas as classes de vertebrados, atacam principalmente os sistemas respiratório, reprodutivo e nervoso, e podem causar transformação neoplásica nas células-alvo (1).

Em anfíbios, a infecção foi relatada e posteriormente associada ao desenvolvimento de adenocarcinoma renal em Rana pipiens (2).

Em répteis, já foram detectados em todos os grupos de escamados. Podem acometer as glândulas de serpentes peçonhentas, reduzindo a produção de veneno; podem causar papilomas, estomatite proliferativa, hepatite necrosante em serpentes e em lagartos. Em crocodilianos, já foram associados à cloacite linfocítica (3). Em quelônios, pode causar estomatite e doença respiratória em jabutis, e doença sistêmica em cágados (4). Contudo, o maior número de registros vem ocorrendo em tartarugas marinhas, associado à fibropapilomatose, como veremos a seguir.

Fibropapilomatose em tartarugas

A fibropapilomatose (FP) em tartarugas marinhas vem sendo relatada há mais de 60 anos, e sua prevalência vem aumentando progressivamente a partir dos anos de 1980. Os primeiros registros incluem Flórida (EUA), Hawaii e Ilhas Cayman. Atualmente tem ampla distribuição em águas tropicais. A doença é caracterizada pela proliferação de massas cutâneas verrucosas (ou nódulos viscerais), individuais ou múltiplas, medindo 0,1 a 30,0 cm de diâmetro, que podem apresentar necrose e ulceração (5). A doença é debilitante para os infectados, pois interfere na capacidade de locomoção e alimentação. Ainda não é conhecido tratamento eficaz. A etiologia era incerta até 1999, quando evidências sugeriram envolvimento de um Herpesvírus, através de estudos genéticos e indução de tumores por injeção de células tumorais em embriões de targarugas (6).

F13594
Figura 1: Fibropapilomatose em tartaruga marinha. Fonte: Noah’s Arkive (https://noahsarkive.cldavis.org/cgi-bin/show_image_info_detail.cgi?image=F13594)

No Brasil, o primeiro registro de FP em tartarugas foi em 1986, em Chelonia mydas, espécie em que é mais frequentemente relatada, e que, por esta causa, está ameaçada de extinção. Desde então, vários projetos de pesquisa têm delineado a epidemiologia e a patologia da doença no país. Recentemente, a FP teve uma prevalência de 16% registrada no litoral do nordeste, e foi considerada a principal causa de encalhe de tartarugas nas praias (7).

Atualmente, acredita-se que cofatores ambientais, como poluição, degradação de habitat e aquecimento global, predispõem tartarugas à infecção e ao agravamento da FP (8).

Até a presente data, tratamentos efetivos ainda não foram estabelecidos. O manejo dos casos compreende remoção cirúrgica dos tumores e cuidados paliativos (9). Um artigo recente explora o sequenciamento de RNA e técnicas de transcriptômica para caracterizar a biologia dos tumores removidos de tartarugas verdes cativas na Flórida. Os resultados mostraram que os tumores compartilham características genômicas com tumores humanos (10). Com essa nova informação, será possível testar medicações e protocolos terapêuticos, já utilizados em humanos, para controle da FP em tartarugas.

Autora: Roberta da Rocha Braga



Referências

  1. QUINN, P. et al. Herpesviridae. In: 1. QUINN, P. et al. Microbiologia Veterinária e Doenças Infecciosas. 1°. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2005.
  2. VAN BEURDEN, S.; ENGELSMA, M. Herpesviruses of Fish, Amphibians and Invertebrates. In: MAGEL, G. D.; TYRING, S. Herpesviridae: a Look Into This Unique Family of Viruses. Rijeka: IntechWeb.Org, 2012.
  3. MARSCHANG, R. E. Viruses infecting reptiles. Viruses, v. 3, n. 11, p. 2087–2126, 2011.
  4. RITCHIE, B. Virology. In: MADER, D. R. (Ed.). Reptile Medicine and Surgery. 2nd. ed. Saint Louis: Elsevier Inc., 2006. p. 391-417.
  5. HERBST, L. H. Fibropapillomatosis of Marine Turtles. Annual Review of Fish Diseases, v. 4, n. 6, p. 389–425, 1994.
  6. LACKOVICH, J. K. et al. Association of herpesvirus with fibropapillomatosis of the green turtle Chelonia mydas and the loggerhead turtle Caretta caretta in Florida. Diseases of Aquatic Organisms, v. 37, n. 2, p. 89–97, 1999.
  7. KOPROSKI, L. et al. Perfil Epidemiológico Da Fibropapilomatose Em Tartarugas-Marinhas Encalhadas Entre O Litoral Sul De Alagoas E Norte Da Bahia, Nordeste Do Brasil. Arquivos de Ciências Veterinárias e Zoologia da UNIPAR, v. 20, n. 2, p. 49–56, 2018.
  8. JONES, K. et al. A review of fibropapillomatosis in Green turtles (Chelonia mydas). Veterinary Journal, v. 212, n. November, p. 48–57, 2016.
  9. WYNEKEN, J. et al. Medical Care of Seaturtles. In: MADER, D. R. (Ed.). Reptile Medicine and Surgery. 2nd. ed. Saint Louis: Elsevier Inc., 2006. p. 972-1007.
  10. DUFFY, D. J. et al. Sea turtle fibropapilloma tumors share genomic drivers and therapeutic vulnerabilities with human cancers. Communications Biology, v. 1, n. 1, 2018.