Chikungunya na herpetofauna?! É sério isso?

Sim, é sério. Pesquisadores americanos investigaram o papel de répteis e anfíbios como possíveis reservatórios do vírus da Chikungunya (CHIKV), e advinha o que eles descobriram? Que SIM, algumas espécies de répteis e de anfíbios podem albergar o CHIKV sem desenvolver a doença(1).

Estudos prévios dos mesmos pesquisadores com potenciais reservatórios entre mamíferos e aves revelaram que além do morcego marrom (Eptesicus fuscus) nenhum dos mamíferos e aves mais comuns apresentaram sinais da infecção e produção de anticorpos contra CHIKV. Essa foi a principal razão que os motivou a pesquisar animais ectotérmicos(2).

O CHIKV é um vírus da família Togaviridae, gênero Alphavirus. São vírus RNA fita simples,  envelopados, de simetria icosaédrica, medindo aproximadamente 70nm de diâmetro. São também caracterizados como “arbovírus” (ARthropode BOrne VIRUSES), pois se disseminam através de vetores invertebrados (mosquitos dos gêneros Aedes) (3). Foi relatado pela primeira vez na Tanzânia, em 1952. O vírus foi introduzido no Brasil em 2014 e causou surtos epidêmicos em vários estados, incluindo o estado do Ceará, onde a epidemia durou de 2014 a 2018. A doença é caracterizada por febre alta de início súbito e dores nas articulações (poliartralgia) por até 14 dias. Torna-se mais grave em indivíduos com outras doenças de base (comorbidades). Após esse período, em muitos casos ficam sequelas debilitantes que precisam ser tratadas com antinflamatórios e fisioterapia(4).

Para os vírus se manterem circulantes na natureza, eles precisam ser mantidos em hospedeiros vertebrados que permitem seu crescimento, replicação e eliminação no meio ambiente, sem, no entanto, desenvolver doença clínica (os chamados “reservatórios de infecção”). Há muitas décadas, tem sido detectada uma ampla variedade de anticorpos contra arbovírus diversos (como o vírus da encefalite equina oriental e ocidental, o da encefalite japonesa, do Nilo Ocidental e da Zika) no sangue de répteis e anfíbios. Dessa forma, surgiu a curiosidade de descobrir se o mesmo aconteceria com CHIKV.

Foi realizado o seguinte experimento:, uma amostra de CHIKV foi fornecida pelo Centers for Disease Controls and Prevention (CDC) de Atlanta (EUA). Foram adquiridas diferentes espécies de répteis e anfíbios (Pítons, cobras de cadarço, sapo-cururu, rã leopardo, aligátor, iguana verde, geckos domésticos, cágado de orelha vermelha) de criadouros comerciais e cada um recebeu uma dose 0,1mL de solução de células infectadas por CHIKV. Do primeiro ao quinto dia pós-infecção(dpi), os animais começaram a ter o sangue coletado para pesquisa de anticorpos e isolamento do vírus. Os resultados estão na tabela a seguir.

 

Tabela 1. Viremia e resposta de anticorpos neutralizantes em répteis e anfíbios inoculados com CHIKV. (Adaptado de Bosco-Lauth et al., 2018).

Espécie hospedeira   % de animais virêmicos Pico de viremia (log 10 pfu/mL) Proporção de soropositivos aos 28 dpi Títulos de anticorpos (PRNT80 por título)
Python regius 75,0% 2,8-4,3 87,5% 10-320
Python bivittatus 75,0% 2,3-3,0 100,0% 80-320
Thamnophis sirtalis 100,0% 3,7-4,5 100,0% 20-80
Lithobates spp. 100,0% 3,0-4,7 20
Anaxyrus speciosus 58,3% 2,3-5,1 91,6% 20-40
Rhinella marina 0,0% 100,0% 80-320
Alligator mississippiensis 0,0% 100,0% 20-160
Iguana iguana 85,7% 2,0-3,7 75,0% 20-80
Hemidactylus spp. 0,0% não testado não testado
Trachemys scripta 66,6% 2,3-3,7 50,0%  10-80

 

CHIKV foi detectável no sangue (viremia) dos animais testados por 3 a 10 dpi, atingindo picos de concentração em 1 a 3 dpi. Nenhum dos animais apresentou sinais clínicos compatíveis com Chikungunya. Os geckos domésticos (Hemidactylus spp.) não foram testados porque as quantidades de sangue necessárias para detectar a viremia e os anticorpos eram incompatíveis com a vida, devido ao pequeno tamanho corporal das espécies.

A conclusão dos pesquisadores é que as espécies testadas que desenvolveram viremia e soroconversão (produção de anticorpos) são potenciais reservatórios de CHIKV. Para bater o martelo ainda são necessários mais estudos de campo e laboratório, para ter certeza que os mosquitos transmissores conseguem se alimentar e se infectar nesses hospedeiros.

Autora: Roberta da Rocha Braga



Referências

  1. Bosco-Lauth, A. M., Hartwig, A. E., & Bowen, R. A.. Reptiles and Amphibians as Potential Reservoir Hosts of Chikungunya Virus. The American journal of tropical medicine and hygiene98(3), 841–844, 2018.
  2. Bosco-Lauth AM, Nemeth NM, Kohler DJ, Bowen RA. Viremia in North American mammals and birds after experimental infection with chikungunya viruses. Am J Trop Med Hyg 94: 504–506. 2016.
  3. Quinn, P.J. et al. In: Microbiologia Veterinária e Doenças Infecciosas. Porto Alegre: ArtMed, 2005.
  4. SIMIAO, Adriana Rocha et al . A major chikungunya epidemic with high mortality in northeastern Brazil. Soc. Bras. Med. Trop., Uberaba ,  v. 52,  e20190266,    2019 .